O bem e o mal
As religiões ordenam a realidade
segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (ou a luz e a treva, o puro
e o impuro).
Sob esse aspecto, há três tipos
de religiões: as politeístas, em que há inúmeros deuses, alguns bons, outros
maus, ou até mesmo cada deus podendo ser ora bom, ora mau; as dualistas, nas
quais a dualidade do bem e do mal está encarnada e figurada em duas divindades
antagônicas que não cessam de combater-se; e as monoteístas, em que o mesmo
deus é tanto bom quanto mau, ou, como no caso do judaísmo, do cristianismo e do
islamismo, a divindade é o bem e o mal provém de entidades demoníacas,
inferiores à divindade e em luta contra ela.
No caso do politeísmo e do
dualismo, a divisão bem-mal não é problemática, assim como não o é nas
religiões monoteístas que não exigem da divindade comportamentos sempre bons,
uniformes e homogêneos, pois a ação do deus é insondável e incompreensível. O
problema, porém, existe no monoteísmo judaico-cristão e islâmico.
Com efeito, a divindade
judaico-cristã e islâmica é definida teologicamente como um ser positivo ou
afirmativo: Deus é bom, justo, misericordioso, clemente, criador único de todas
as coisas, onipotente e onisciente, mas, sobretudo, eterno e infinito. Deus é o
ser perfeito por excelência, é o próprio bem e este é eterno como Ele. Se o bem
é eterno e infinito, como surgiu sua negação, o mal? Que positividade poderia
ter o mal, se, no princípio, havia somente Deus, eterna e infinitamente bom?
Admitir um princípio eterno e infinito para o mal seria admitir dois deuses,
incorrendo no primeiro e mais grave dos pecados, pois tanto os Dez Mandamentos
quanto o Credo cristão afirmam haver um só e único Deus.
Além disso, Deus criou todas as
coisas do nada; tudo o que existe é, portanto, obra de Deus. Se o mal existe,
seria obra de Deus? Porém, Deus sendo o próprio bem, poderia criar o mal? Como
o perfeito criaria o imperfeito? Qual é, pois, a origem do mal? A criatura.
Deus criou inteligências
imateriais perfeitas, os anjos. Dentre eles, surgem alguns que aspiram a ter o
mesmo poder e o mesmo saber que a divindade, lutando contra ela. Menos
poderosos e menos sábios, são vencidos e expulsos da presença divina. Não
reconhecem, porém, a derrota. Formam um reino separado, de caos e trevas,
prosseguem na luta contra o Criador. Que vitória maior teriam senão corromper a
mais alta das criaturas após os anjos, isto é, o homem? Valendo-se da liberdade
dada ao homem, os anjos do mal corrompem a criatura humana e, com esta, o mal
entra no mundo.
O mal é o pecado, isto é, a
transgressão da lei divina que o primeiro homem e a primeira mulher praticaram.
Sua punição foi o surgimento dos outros males: morte, doença, dor, fome, sede,
frio, tristeza, ódio, ambição, luxúria, gula, preguiça, avareza. Pelo mal, a
criatura afasta-se de Deus, perde a presença divina e a bondade original que
possuía.
O mal, portanto, não é uma força
positiva de mesma realidade que o bem, mas é pura ausência do bem, pura
privação do bem, negatividade, fraqueza. Assim como a treva não é algo
positivo, mas simples ausência da luz, assim também o mal é pura ausência do
bem. Há um só Deus e o mal é estar longe e privado dele, pois Ele é o bem e o
único bem.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
25 de julho de 2017 às 19:57
Lindo e verdadeiro.
11 de outubro de 2020 às 17:12
Se o bem é eterno e infinito, como surgiu sua negação, o mal? Que positividade poderia ter o mal, se, no princípio, havia somente Deus,eterna e infinitamente bom?