Conciliação entre Filosofia e religião
Vários filósofos procuraram conciliar Filosofia e religião. Das tentativas
feitas, mencionaremos três, cronologicamente mais próximas de nós: a de Kant, a
de Hegel e a da fenomenologia.
A crítica kantiana à pretensão da metafísica de ser ciência dirige-se à
Filosofia, quando esta assume o conteúdo de uma teologia racional (demonstração
racional da essência e existência de Deus), uma psicologia racional
(demonstração da imortalidade da alma) e uma cosmologia racional (demonstração
da origem e essência do mundo ou Natureza). A distinção entre fenômeno e
nôumeno permite ao filósofo limitar o campo do conhecimento teórico ao primeiro
e impedir a pretensão de teorizar sobre o segundo.
A metafísica não é conhecimento da essência em si de Deus, alma e mundo;
estes são nôumenos (realidade em si) inacessíveis ao nosso entendimento. A
religião, por sua vez, não é teologia, não é teoria sobre Deus, alma e mundo,
mas resposta a uma pergunta da razão que esta não pode responder teoricamente:
“O que podemos esperar?”.
Qual o papel da religião? Oferecer conceitos e princípios para a ação moral
e fortalecer a esperança num destino superior da alma humana. Sem Deus e a alma
livre não haveria a humanidade, mas apenas a animalidade natural; sem a
imortalidade, o dever tornar-se-ia banal.
Hegel segue numa direção diversa da de Kant. Para ele, a realidade não é
senão a história do Espírito em busca da identidade consigo mesmo. Deus não é
uma substância, cuja essência foi fixada antes e fora do tempo, mas é o sujeito
espiritual, que se efetua como sujeito temporal, cuja ação é ele mesmo
manifestando-se para si mesmo. A mais baixa manifestação do Espírito é a
Natureza; a mais alta, a Cultura.
Na Cultura, o Espírito se realiza como Arte, Religião e Filosofia, numa
seqüência que é o aperfeiçoamento rumo ao término do tempo. Isso significa que
Deus se manifesta, primeiro, como Arte nas artes; depois, como Religião nas
religiões; depois disso, como Estado nos estados; e, finalmente, como Filosofia
nas filosofias. Em lugar de opor religião e Filosofia, Hegel faz da primeira
uma etapa preparatória da segunda.
A fenomenologia, como vimos, descreve essências constituídas pela
intencionalidade da consciência, que é doadora de sentido à realidade. A
consciência constitui as significações, assumindo atitudes diferentes, cada qual com seu campo específico, sua
estrutura e finalidades próprias. Assim como há a atitude natural (a crença
realista ingênua na existência das coisas) e a atitude filosófica (a reflexão),
há também a atitude religiosa, como uma das possibilidades da vida da
consciência. Quando esta se relaciona com o mundo através das categorias e das
práticas ligadas ao sagrado, constitui a atitude religiosa.
Assim, a consciência pode relacionar-se com o mundo de maneiras variadas –
senso comum, ciência, filosofia, artes, religião -, de sorte que não há
oposição nem exclusão entre elas, mas diferença. Isso significa que a oposição
só surgirá quando a consciência, estando numa atitude, pretender relacionar-se
com o mundo utilizando significações e práticas de uma outra atitude. Foi isso
que engendrou a oposição e o conflito entre Filosofia e religião, pois, sendo
atitudes diferentes da consciência, cada uma delas não pode usurpar os modos de
conhecer e agir, nem as significações da outra.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
26 de julho de 2016 às 15:00
Olá equipe do blog filosofando e historiando, parabéns pelo conteúdos.
Abraços,
Andréia