"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A condição humana


Quando eu era pequena e meu pai queria reforçar algum comportamento de coragem e enfrentamento de situações difíceis, costumava dizer: "Seja homem, minha filha!" Evidentemente, isso era dito em tom de brincadeira, acentuando a contradição entre o masculino e o feminino. Mas, na verdade, ele queria dizer que o homem (enquanto ser humano em geral) deve ser capaz de enfrentar as dificuldades apesar do medo; ou, ainda, que, embora na sociedade machista o papel da coragem seja reservado aos homens (sexo masculino), eu também deveria ser forte, mesmo sendo mulher. Assim, ao mesmo tempo que meu pai se referia a um atributo louvável do ser humano, criticava as concepções de feminilidade que de certa forma desculpam e reforçam a "fraqueza" da mulher.
Se observarem com atenção, irão constatar que várias vezes por dia colocamos questões como essas que, no fundo, no fundo, partem da pergunta fundamental: o que é o homem? Embora não seja formulada de maneira tão explícita, essa questão se encontra subjacente na conversa diária. Vejamos alguns exemplos:

• "Aquele lá? Não é gente, mais parece um bicho!" (Isso supõe que eu saiba qual é a diferença entre homem e animal.)
• "Essas coisas acontecem desde que o homem é homem!" (A natureza humana é imutável.)
• "O que seria de mim sem a graça de Deus?" (O ser do homem é explicado pelo divino, e o homem não é nada sem a fé.)
• "Eu uso a cabeça e não me deixo arrastar pelas paixões." (O homem é um ser racional, e as paixões são fraquezas.)
• "De que adianta o trabalho se não houver futebol e carnaval?" (O homem é um ser de desejo, e o prazer é fundamental no mundo humano.)
• "Não adianta lutar contra o destino. O que tem de ser, será." (O homem não é livre, mas predestinado.)
• "A ocasião faz o ladrão." (A natureza humana é má.)

A lista poderia não ter fim, pois há diversas situações de vida que exigem reflexão e retomada de valores. Por exemplo, a perda de emprego, o rompimento de laços de amizade ou de amor, o enfrentamento de risco de vi­da ou a morte de um conhecido, a comemoração de uma data especial (18 anos de vida, ou 40 anos...). Em todos esses momentos é feito um balanço do já vivido que leva à reafirmação de alguns valores, ou, dependendo do caso, a uma mudança radical na forma de pensar e agir.

Fonte:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).

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