A condição humana
Quando eu era pequena e meu pai
queria reforçar algum comportamento de coragem e enfrentamento de situações
difíceis, costumava dizer: "Seja homem, minha filha!" Evidentemente,
isso era dito em tom de brincadeira, acentuando a contradição entre o masculino
e o feminino. Mas, na verdade, ele queria dizer que o homem (enquanto ser
humano em geral) deve ser capaz de enfrentar as dificuldades apesar do medo;
ou, ainda, que, embora na sociedade machista o papel da coragem seja reservado
aos homens (sexo masculino), eu também deveria ser forte, mesmo sendo mulher.
Assim, ao mesmo tempo que meu pai se referia a um atributo louvável do ser
humano, criticava as concepções de feminilidade que de certa forma desculpam e
reforçam a "fraqueza" da mulher.
Se observarem com atenção, irão
constatar que várias vezes por dia colocamos questões como essas que, no fundo,
no fundo, partem da pergunta fundamental: o que é o homem? Embora não seja
formulada de maneira tão explícita, essa questão se encontra subjacente na
conversa diária. Vejamos alguns exemplos:
• "Aquele lá? Não é gente,
mais parece um bicho!" (Isso supõe que eu saiba qual é a diferença entre
homem e animal.)
• "Essas coisas acontecem
desde que o homem é homem!" (A natureza humana é imutável.)
• "O que seria de mim sem a
graça de Deus?" (O ser do homem é explicado pelo divino, e o homem não é
nada sem a fé.)
• "Eu uso a cabeça e não me
deixo arrastar pelas paixões." (O homem é um ser racional, e as paixões
são fraquezas.)
• "De que adianta o trabalho
se não houver futebol e carnaval?" (O homem é um ser de desejo, e o prazer
é fundamental no mundo humano.)
• "Não adianta lutar contra
o destino. O que tem de ser, será." (O homem não é livre, mas
predestinado.)
• "A ocasião faz o
ladrão." (A natureza humana é má.)
A lista poderia não ter fim, pois
há diversas situações de vida que exigem reflexão e retomada de valores. Por
exemplo, a perda de emprego, o rompimento de laços de amizade ou de amor, o
enfrentamento de risco de vida ou a morte de um conhecido, a comemoração de
uma data especial (18 anos de vida, ou 40 anos...). Em todos esses momentos é
feito um balanço do já vivido que leva à reafirmação de alguns valores, ou,
dependendo do caso, a uma mudança radical na forma de pensar e agir.
Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e
MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000
(edição digital).
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