Esquema de tráfico e escravidão de estrangeiros expõe EUA
Por Bárbara Vidal e Maurício Hashizume
Seis pessoas ligadas à Global Horizons, com sede em Los Angeles , respondem
processo por aliciar e submeter cerca de 400 tailandeses em regime de trabalho
forçado, por meio de programa do governo norte-americano
Acusadas de transformar o "sonho
americano" de centenas de tailandeses em pesadelo, seis pessoas ligadas à
empresa Global Horizons respondem processo, desde o início de setembro, no
que vem sendo chamado pelas autoridades norte-americanas como o "maior caso
de tráfico de pessoas e trabalho escravo contemporâneo dos Estados Unidos".
O presidente da empresa, Mordechai
Orian, se entregou à polícia em Honolulu, no Havaí. Ele chegou a
ser preso, mas acabou sendo liberado após o pagamento da fiança - que
foi reduzida de US$ 1 milhão para US$ 250 mil. Empresário de nacionalidade
israelense, Mordechai permanece, porém, sob vigilância. Com receio
de que o principal acusado pelo esquema fuja da ilha,
procuradores federais pedem que ele seja novamente encarcerado. Caso
seja condenado no julgamento que já foi marcado para fevereiro do ano que
vem, o executivo poderá permanecer mais de 70 anos na cadeia.
Terceirizada encarregada da contratação de mão de
obra para empreendimentos agrícolas, a Global Horizons deve
prestar contas à Justiça pelas denúncias de aliciamento, servidão por
dívida e trabalho forçado de cerca de 400 trabalhadores que deixaram a
Tailândia, entre 2004 e 2005, para trabalhar em fazendas situadas em
diversos estados dos EUA. E mais: todos as vítimas entraram no país
mais rico do mundo por meio de um programa
federal para trabalhadores "visitantes", conhecido como
H-2A.
Detalhes do esquema de escravidão
vieram à tona com a publicação de
reportagem pela revista Mother Jones (maio/junho de 2010). Sob o
título "Atado pela América", o jornalista John Bowe - autor do
livro Nobodies, que trata da mesma temática - descreve o contexto no qual
se insere o H-2A. De acordo com ele, "o
programa acomoda preocupações de todas as
partes interessadas". Vale lembrar que, todos os anos, o governo norte-americano
divulga uma relação que classifica diversos países do mundo de acordo
com os problemas relacionados ao tráfico de pessoas. Em 2010 os EUA se
auto-incluíram, pela primeira vez, na lista. É claro que no
"Grupo A" de nações que mantém ações exemplares no combate ao
problema.
"Os liberais favoráveis aos
imigrantes podem se sentir bem trazendo trabalhadores estrangeiros
para a ´luz da legalidade´. Empregadores do agronegócio cansados de regulações
de fiscalização contra irregularidades trabalhistas se veem livres de
lidar com o recrutamento, a acomodação e a supervisão de trabalhadores rurais.
Ativistas antiimigração encontram conforto no fato de que, na teoria, esses
temporários serão mandados para casa depois que o trabalho for
encerrado", explica John Bowe. "Isso mostra por que
trazer mais trabalhadores estrangeiros temporários é uma coisa aceita
por quase todos no debate sobre imigração".
Na reportagem, o jornalista descreve a história
de um tailandês de 35 anos que recebeu uma oferta para trabalhar por três
anos nos EUA com um salário entre US$ 7 e US$ 10 por hora. A
perspectiva de ganhos era de até US$ 50 mil por ano, 25 vezes mais
que o valor médio acumulado por um empregado comum na Tailândia. Tudo isso de
forma legal, como um trabalhador temporário
"convidado", protegido pelas leis vigentes.
O esquema criminoso começava ainda na
Tailândia. Para conseguir a vaga, os interessados tiveram de pagar taxas de
recrutamento de US$ 11 mil até US$ 21 mil (R$ 19 mil a mais de R$ 35 mil) a
"gatos" que atuavam como intermediários da Global Horizons na Ásia.
Para conseguir o dinheiro, contraírram dívidas com agiotas, recorreram a
empréstimos bancários e hipotecas de imóveis e terrenos, além do uso
de recursos e bens de parentes.
De acordo com os relatos de vítimas, eles eram
obrigados inclusive a assinar papéis em branco antes de partir da
Tailândia para a América do Norte. Levados para lugares isolados do país -
desde granjas em Utah até fazendas de fruticultura no Havaí, passando por
propriedades nos estados de Washington, Pensilvânia e Colorado
-, alguns tiveram os passaportes confiscados. Agentes da Global Horizons
permaneciam nos locais onde estavam trabalhando para garantirem que os
estrangeiros não fugissem.
A jornada prometida era de 8 horas diárias,
mas o trabalho era tão instável que, por vezes, não chegava a 4
horas. Em certos dias, eles sequer iniciavam o turno, o que resultava em
vencimentos muito aquém do combinado. Na prática, os "convidados"
trabalhavam tantas horas quanto a empresa quisesse, isto é, permaneciam à
mercê dos empregadores.
Houve casos de agressão física, ameaças de
"deportação" em caso de "mau comportamento" (alguns
trabalhadores foram mandados de volta a seus países de origem no meio
do programa). Na teoria, eles estavam livres para deixar seus trabalhos a
qualquer momento. Mas, o descumprimento das ordens dos empregadores e o
retorno implicavam em riscos diretos e indiretos a toda família. Ou seja,
na prática, eram escravos contemporâneos.
De acordo com Susan French, procuradora da Divisão dos Direitos Civis do Departamento de Justiça dos EUA, todos os anos muitas companhias são processadas por submeter trabalhadores em condições análogas à escravidão. São, segundo ela, apenas pontas de icebergs. Para monitorar os locais de emprego de todos os 137 milhões de pessoas em atividade nos EUA, a Divisão de Salários e Horários do mesmo Departamento tem apenas 953 funcionários. Desde 1973, o número caiu 14%, enquanto a quantidade de trabalhadores aumentou 50% durante o mesmo período.
De acordo com Susan French, procuradora da Divisão dos Direitos Civis do Departamento de Justiça dos EUA, todos os anos muitas companhias são processadas por submeter trabalhadores em condições análogas à escravidão. São, segundo ela, apenas pontas de icebergs. Para monitorar os locais de emprego de todos os 137 milhões de pessoas em atividade nos EUA, a Divisão de Salários e Horários do mesmo Departamento tem apenas 953 funcionários. Desde 1973, o número caiu 14%, enquanto a quantidade de trabalhadores aumentou 50% durante o mesmo período.
Uma das fazendas que matinha
trabalhadores estrangeiros da Global Horizons era a Maui Pineapple Co., que
fazia parte da Maui Land & Pineapple Co., cuja maioria pertence a Steve
Case, co-fundador da AOL, outro acionista é Pierre Omidyar, fundador da eBay,
"benfeitor generoso de organizações anti-escravistas", de acordo com
o repórter, John Bowe.
Presidente e fundador da Global Horizons,
Mordechai "Motty" Orian chegou a conceder entrevista a John Bowe na
sede da empresa em Los
Angeles. O empresário relatou que fazendeiros pagavam entre
45% a 80% a mais por cada trabalhador para contratar a empresa. Além de
"economizar" com gastos de transporte, alojamento, alimentação,
salários e assistência, os empregadores optavam pelos serviços da terceirizada
principalmente pelo controle. Mordechai chegou inclusive a citar ao jornalista
que um produtor da Carolina do Norte reclamava que "se trouxesse 200
mexicanos do México, sabia que 100 deles deixariam o emprego". Já os
tailandeses, isolados por dívidas, pela distância e pela ausência de ligações
culturais e comunitárias, dificilmente tinham como deixar as fazendas.
Quando perguntado sobre as dívidas dos
trabalhadores estrangeiros, o dono da Global Horizons desfiou uma série de
respostas. Uma foi a de que eles mentiam sobre o montante de dinheiro
pago. A outra foi zombar da ideia de que pudesse existir
alguém suficientemente estúpido para assinar papéis em branco. E a terceira foi
culpar o sistema, pois eram contratados por "gatos" de
"gatos" de "gatos". Cada intermediário, justificou,
faz as suas promessas para atrair gente e tirar o seu
quinhão no negócio. E completou: "Governos do Terceiro Mundo estão
sempre sujeitos à corrupção".
Em 2006, após constatar que a Global
Horizons "sabidamente forneceu falsas informações" acerca do
programa de emprego temporário para estrangeiros "convidados" na
área de agricultura, o Departmento do Trabalho proibiu a empresa de
trazer novos trabalhadores do exterior.
Um relatório
de 2007 do Southern Poverty Law Center aponta que esses
"convidados" têm pouquíssimos direitos. As taxas de recrutamento -
algumas delas inclusive legalizadas - oferecem um poderoso incentivo
para que empresas se animem a atuar na área de importação de mão de
obra estrangeira quanto e por quanto tempo for possível, mesmo diante de
pouco serviço. Esses casos envolvem trabalhadores que já chegam aos Estados
Unidos com dívidas monumentais e levam famílias à bancarrota. Só no ano
passado, 60 mil estrangeiros entraram nos EUA como "convidados".
Chanchanit Martorell, diretora-executiva do
Centro de Desenvolvimento da Comunidade Tailandesa, afirma que mais de 1,1
mil vistos de trabalho agrícola estavam sendo emitidos pela Global
Horizons aos tailandeses. O centro oferece assistência às vítimas de
tráfico de pessoas que conseguiram escapar dos empregadores e buscam permanecer
nos EUA.
"Já faz muito tempo [que esse tipo de
problema vem ocorrendo], mas nós temos persistido e lutado e finalmente chagado
a alcançar uma vitória muito importante", afirmou Chanchanit ao Los
Angeles Times. Além do presidente da Global Horizons, o diretor de
relações internacionais, o supervisor regional do Havaí, o supervisor de campo
local e mais dois aliciadores foram acusados no processo judicial que tramita
no Havaí.Também ao LA Times ,
o agente especial do Federal Bureau of Investigation (FBI) - a Polícia
Federal dos Estados Unidos -, Tom Simon, foi preciso na descrição:
"Antigamente costumavam manter escravos com chicotes e correntes. Hoje,
eles são mantidos por ameaças econômicas e intimidação".
Texto produzido pelo Prof. Valdinei Gomes
Garcia para o Colégio Integrado, Campo Mourão (PR)
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