"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Natureza e cultura


Os animais vivem em harmonia com sua própria natureza. Isso significa que todo animal age de acordo com as características da sua espécie quando, por exemplo, se acasala, protege a cria, caça e se defende. Os instintos animais são regidos por leis biológicas, de modo que podemos prever as reações típicas de cada espécie. A etologia se ocupa do estudo comparado do comportamento dos animais, indicando a regularidade desse comportamento.
É evidente que existem grandes diferenças entre os animais conforme seu lugar na escala zoológica: enquanto um inseto como a abelha constrói a colmeia e prepara o mel segundo padrões rígidos típicos das ações instintivas, um mamífero, que é um animal superior, age também por instinto mas desenvolve outros comportamentos mais flexíveis, e portanto menos previsíveis. 

Diante de situações problemáticas, os animais superiores são capazes de encontrar soluções criativas porque fazem uso da inteligência. Se um macaco está mobilizado pelo instinto da fome, ao encontrar a fruta fora do alcance enfrenta uma situação problemática, que só pode ser resolvida com a capacidade de se adaptar às novidades mediante re­cursos de improvisação. Também o cachorro faz uso da inteligência quando aprende a obedecer ordens do seu do­no e enfrenta desafios para realizar certas tarefas, como, por exemplo, buscar a presa em uma caçada.
No entanto, a inteligência animal é concreta, porque, de certa maneira, acha-se presa à experiência vivida. Por exemplo, se o macaco utilizar um bambu para alcançar a fruta, mesmo assim não existirá esforço de aperfeiçoamen­to que se assemelhe ao processo cultural humano.
Recentemente, pesquisas realizadas no campo da etologia têm mostrado que alguns tipos de chimpanzés conseguem fazer utensílios, e criam complexas organizações sociais baseadas em formas elaboradas de comunicação. As conclusões dessas pesquisas tendem a atenuar a excessiva rigidez das antigas concepções sobre a distinção entre ins­tinto e inteligência e entre inteligência animal e humana. Mas essas habilidades não levam os animais superiores a ultrapassar o mundo natural, caminho esse exclusivo da aventura humana. Só o homem é transformador da natureza, e o resultado dessa transformação se chama cultura.
Eis aí a diferença fundamental entre o homem e os animais. Mas, para produzir cultura, o homem precisa da lin­guagem simbólica. Os símbolos são invenções humanas por meio das quais o homem pode lidar abstratamente com o mundo que o cerca. Depois de criados, entretanto, eles devem ser aceitos por todo o grupo e se tomam a conven­ção que permite o diálogo e o entendimento do discurso do outro.
Os símbolos permitem o distanciamento do mundo concreto e a elaboração de ideias abstratas: com o signo "casa", por exemplo, designamos não só determinada casa, mas qualquer casa. Além disso, com a linguagem simbólica o homem não está apenas presente no mundo, mas é capaz de representá-lo: isto é, o homem torna presente aquilo que está ausente. A linguagem introduz o homem no tempo, porque permite que ele relembre o passado e antecipe o fu­turo pelo pensamento. Ao fazer uso da linguagem simbólica, o homem torna possível o desenvolvimento da técnica e, portanto, do trabalho humano, enquanto forma sempre renovada de intervenção na natureza. Ao reproduzir as técnicas já utilizadas pelos ancestrais e ao inventar outras novas — lembrando o passado e projetando o futuro -o homem trabalha.
Chamamos trabalho humano a ação dirigida por finalidades conscientes e pela qual o homem se torna capaz de transformar a realidade em que vive.

Fonte:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000 (edição digital).

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