Natureza e cultura
Os animais vivem em harmonia com
sua própria natureza. Isso significa que todo animal age de acordo com as características
da sua espécie quando, por exemplo, se acasala, protege a cria, caça e se
defende. Os instintos animais são regidos por leis biológicas, de modo que
podemos prever as reações típicas de cada espécie. A etologia se ocupa do
estudo comparado do comportamento dos animais, indicando a regularidade desse
comportamento.
É evidente que existem grandes diferenças
entre os animais conforme seu lugar na escala zoológica: enquanto um inseto
como a abelha constrói a colmeia e prepara o mel segundo padrões rígidos típicos
das ações instintivas, um mamífero, que é um animal superior, age também por
instinto mas desenvolve outros comportamentos mais flexíveis, e portanto menos
previsíveis.
Diante de situações
problemáticas, os animais superiores são capazes de encontrar soluções
criativas porque fazem uso da inteligência. Se um macaco está mobilizado pelo
instinto da fome, ao encontrar a fruta fora do alcance enfrenta uma situação
problemática, que só pode ser resolvida com a capacidade de se adaptar às
novidades mediante recursos de improvisação. Também o cachorro faz uso da
inteligência quando aprende a obedecer ordens do seu dono e enfrenta desafios
para realizar certas tarefas, como, por exemplo, buscar a presa em uma caçada.
No entanto, a inteligência animal
é concreta, porque, de certa maneira, acha-se presa à experiência vivida. Por
exemplo, se o macaco utilizar um bambu para alcançar a fruta, mesmo assim não
existirá esforço de aperfeiçoamento que se assemelhe ao processo cultural
humano.
Recentemente, pesquisas
realizadas no campo da etologia têm mostrado que alguns tipos de chimpanzés
conseguem fazer utensílios, e criam complexas organizações sociais baseadas em
formas elaboradas de comunicação. As conclusões dessas pesquisas tendem a
atenuar a excessiva rigidez das antigas concepções sobre a distinção entre instinto
e inteligência e entre inteligência animal e humana. Mas essas habilidades não
levam os animais superiores a ultrapassar o mundo natural, caminho esse
exclusivo da aventura humana. Só o homem é transformador da natureza, e o
resultado dessa transformação se chama cultura.
Eis aí a diferença fundamental
entre o homem e os animais. Mas, para produzir cultura, o homem precisa da linguagem
simbólica. Os símbolos são invenções humanas por meio das quais o homem pode
lidar abstratamente com o mundo que o cerca. Depois de criados, entretanto,
eles devem ser aceitos por todo o grupo e se tomam a convenção que permite o
diálogo e o entendimento do discurso do outro.
Os símbolos permitem o distanciamento
do mundo concreto e a elaboração de ideias abstratas: com o signo
"casa", por exemplo, designamos não só determinada casa, mas qualquer
casa. Além disso, com a linguagem simbólica o homem não está apenas presente no
mundo, mas é capaz de representá-lo: isto é, o homem torna presente aquilo que
está ausente. A linguagem introduz o homem no tempo, porque permite que ele
relembre o passado e antecipe o futuro pelo pensamento. Ao fazer uso da
linguagem simbólica, o homem torna possível o desenvolvimento da técnica e,
portanto, do trabalho humano, enquanto forma sempre renovada de intervenção na
natureza. Ao reproduzir as técnicas já utilizadas pelos ancestrais e ao
inventar outras novas — lembrando o passado e projetando o futuro -o homem trabalha.
Chamamos trabalho humano a ação
dirigida por finalidades conscientes e pela qual o homem se torna capaz de
transformar a realidade em que vive.
Fonte:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e
MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 2000
(edição digital).
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