Pensar a Beleza (Parte 12/12)
O Estado Estético
Na dimensão estética, proposta por Schiller, entra em campo o jogo imaginativo. Nesse jogo não se vêem os objetos em sua materialidade, apenas em seu conteúdo ou praticidade. Nessa dimensão, não se visa a pura utilização prática ou apenas um conhecimento teórico sobre as coisas. Uma obra de arte, por exemplo, não será analisada apenas pelo seu tema ou conteúdo expresso, tão pouco pelas suas qualidades materiais ou técnicas (se a tinta é boa ou não, numa pintura).
O valor de uma obra se dá pela forma, isto é, pela aparência formal que ela assume, pelo conteúdo que se modifica em uma determinada forma, a qual me desperta para a fruição do pensamento, da razão e da sensibilidade intuitiva.
Entenda-se “homem sensível” como dotado da faculdade dos sentidos, da sensibilidade. Sensibilidade não refere-se apenas ao fato de que sentimos calor quando estamos perto do fogo, por exemplo. Sensibilidade está no sentido de capacidade de sensibilizar-se, de apreender o mundo através da imaginação, de sentir-se tocado pelas coisas, antes mesmo de pensarmos racionalmente sobre elas.
Esse estado estético foi desprezado na cultura racional, técnica, científica. Mas Schiller aponta que “(...) não há outro caminho para tornar o homem sensível em racional do que torná-lo primeiramente estético” (Ibidem). É nesse estado estético que o homem deixa suas determinações naturais e passa ao estado da liberdade, entendida não absolutamente, mas como uma determinação ativa, deliberada e consciente. O homem passa a escolher suas ações e buscar a verdade.
Como nem sempre se dá essa harmonia, ou o homem fica preso nos sentidos, buscando um prazer puramente físico, sensualista, ou fica sobredeterminado por regras morais ou verdades impostas de fora. Desse modo a felicidade e a dignidade humana não encontram plenitude, pois o homem se encontra preso às determinações de uma cultura que se perde no puro prazer do sensual-físico, ou na hipocrisia moralista.
Segundo Schiller é pela via de uma cultura estética que a humanidade pode encontrar essa harmonia e devolver a sensibilidade, sua função reconciliadora dos impulsos sensuais e intelectivos. Essa reconciliação se dá por um novo modelo de sociedade, onde a libertação do homem das garras do sensualismo limitante e da abstração sem sentido ocorre pelo livre jogo da imaginação. Esse jogo da imaginação tira a seriedade da realidade que mata a criatividade, a espontaneidade e liberta o homem da pura determinação de suas carências e necessidades materiais. A realidade é iluminada por esse jogo estético e o homem pode realizar suas potencialidades, sem permanecer distante de si mesmo, seja no trabalho alienante, nas teorias incompreensíveis, no prazer puramente físico. É só nesse jogo que o homem é realmente livre.
A cultura estética implica numa educação para a percepção estética do mundo, na qual razão e sensibilidade possam se harmonizar a fim de que a busca da verdade e de uma vida moralmente bela estejam de acordo com a natureza própria do homem. Uma cultura estética implica, segundo Schiller, numa educação para a arte e para a beleza. Desse modo, o saber e a moral, que se originam dessa cultura, não significam apenas domínio da natureza e a sua conseqüente destruição. Cultura estética não corresponde, portanto, à uma coação hipócrita das ações humanas, mas o incentivo à liberdade.
Pode-se pensar o ser humano, a partir dessa nova cultura voltada para a sensibilidade estética, proposta por Schiller, não limitado apenas ao trabalho forçado, alienante, numa sociedade que busca apenas a riqueza material e valoriza apenas o individualismo e o prazer físico. Não uma arte vazia de sentido, uma repetição de fórmulas, frases, temas nem uma busca irrefletida de uma beleza física imposta por padrões de mercado e de consumo. Não é uma proposta que visa a um homem passivo e angustiado, mas exibidor de si, de suas potencialidades, de suas realizações. Schiller aponta para uma proposta política, pois ela implica decisões, participação e busca resultados coletivos. Uma educação para a percepção estética, para a beleza, não pode ser moralizante, nem intelectualizante, mas visando a um ser humano mais nobre, digno e feliz.
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