"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A política em Maquiavel (Parte 04/07)


Virtù e Fortuna

Maquiavel tem uma visão do homem de como ele é e não de como deveria ser necessariamente. Para ele, certamente, devemos olhar para o real e não para o ideal moral. Por isso Maquiavel trata da questão da virtù e da fortuna.

A virtù refere-se à capacidade de decidir diante de determinada situação, cuja necessidade deve-se à fortuna. O agir pressupõe a compreensão da natureza humana, assim entendida por Maquiavel: os homens buscam quem lhes proporcione vantagens, melhorias. Atribuem este papel e responsabilidade ao governante. Esclarece num trecho da obra que “os homens mudam de governantes com grande facilidade, esperando sempre uma melhoria”. (MAQUIAVEL, 2005, p. 32) O que importa, para os homens na sua maioria, são os benefícios e acreditar que é o príncipe quem pode proporcioná-los. Contudo, o governante deve estar atento. A estabilidade política é sempre precária e “qualquer mudança pode desencadear um processo de transformação difícil de conter.” (SCHLESENER, 1989, p. 3)

Contrariando a concepção cristã de virtude, Maquiavel entende virtù como o que faz os grandes homens. Atingir os objetivos propostos implica em utilizar os meios necessários para fazê-lo. Encontrar os meios necessários para chegar aos fins é virtù em Maquiavel, pois os fins são construídos pelos meios. O homem virtuoso em Maquiavel é aquele capaz de conquistar a fortuna e mantê-la. E aqui é importante entendermos o conceito de fortuna em Maquiavel.

O conceito de fortuna para o filósofo em questão, também é retomado dos antigos. Ele recorre à imagem da deusa fortuna, possível aliada dos homens e cuja simpatia era importante atrair. Representava uma figura feminina que despejava riquezas de sua cornucópia àqueles que sabiam conquistá-la. Para tanto, era necessário ser um homem de virtù. Como nos esclarece WEFFORT (1989), durante o período medievo, a figura da “boa deusa, disposta a ser seduzida, foi substituída por um ‘poder cego’, inabalável, fechado a qualquer influência, que distribui seus bens de forma indiscriminada.” (WEFFORT, 1989, p. 21) Contrariando o pensamento dos antigos, “a fortuna não tem mais como símbolo a cornucópia, mas a roda do tempo, que gira indefinidamente sem que se possa descobrir o seu movimento.” (WEFFORT, 1989, p. 21) Apresentando uma perspectiva mais próxima à da Roda de Heródoto, que girava indiscriminadamente, esta visão considerava os bens valorizados no período clássico como um nada, compreendendo que a felicidade não se realizava no mundo terreno e que o destino é uma força da providência divina tendo o homem como sua vítima impotente. (WEFFORT, 1989, p. 21) Em Maquiavel,

(...) ao se indagar sobre a possibilidade de se fazer uma aliança com aFortuna, esta não é mais uma força impiedosa, mas uma deusa boa, tal como era simbolizada pelos antigos. Ela é mulher, deseja ser seduzida e está sempre pronta a entregar-se aos homens bravos, corajosos, aqueles que demonstram ter virtù. (WEFFORT, 1989, p. 22)

Fortuna, portanto, não está relacionado à sorte ou predestinação, mas sim ao exercício da virtù no mais alto grau. É aproveitar a ocasião dada pelas circunstâncias para amoldar as coisas como melhor aprouver ao virtuoso. (MAQUIAVEL, 2005, p. 49) Esclarece-nos o próprio Maquiavel no seu texto:

(...) Creio que a sorte seja árbitro da metade dos nossos atos, mas que nos permite o controle sobre a outra metade, aproximadamente. Comparo a sorte a um rio impetuoso que, quando enfurecido, inunda a planície, derruba casas e edifícios, remove terra de um lugar para depositá-la em outro. Todos fogem diante da sua fúria, tudo cede sem que se possa detê-la. Contudo, apesar de ter esta natureza, quando as águas correm quietamente é possível construir defesas contra elas, diques e barragens, de modo que, quando voltem a crescer, sejam desviadas por um canal, para que seu ímpeto seja menos selvagem e devastador. O mesmo se dá com a sorte, que mostra todo o seu poder quando não foi posto nenhum empenho para lhe resistir, dirigindo então sua fúria contra os pontos onde sabe que não há dique ou barragem para detê-la. /.../ O que disse até aqui pode ser bastante no que abrange a resistência à sorte, de modo geral. /.../ O príncipe que baseia seu poder inteiramente na sorte se arruína quando esta muda. Acredito também que é prudente quem age de acordo com as circunstâncias, e da mesma forma é infeliz quem age opondo-se ao que o seu tempo exige. (MAQUIAVEL, 2005, p. 145-147)

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