"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Em busca da essência do político (Parte 03/13)


No instigante ensaio A invenção da política, o filósofo contemporâneo Francis Wolff argumenta que, para compreender a essência universal da política e sua ligação com o ser humano em geral, é preciso romper com certas imagens particulares da política.

Quais seriam essas imagens? Ora, são as questões cotidianas que estão na base do nosso entendimento mais imediato da política, citadas já no início deste texto. Mas, por que romper com elas? Por que evitar essas questões particulares ou específicas? Elas não são relevantes?

É claro que elas são muito importantes e devem ser profundamente discutidas e elucidadas, porém, num segundo momento. Se enfrentarmos essas questões, antes de tentarmos responder aquelas que as antecedem, elas não serão bem respondidas, além do que, poderão nos distanciar das questões fundamentais – a saber: O que é a política? Qual é a sua essência? Por que ela existe em todas as culturas e civilizações, ainda que de maneiras diferentes? Ética e política já estiveram juntas algum dia?

Na busca da resposta, Wolff nos desafia: – é preciso um primeiro esforço no sentido de “imaginar o que aconteceria sem a política.” (WOLFF, 2003, p. 27)

Ainda segundo Wolff (2003), a vida humana pode acontecer a partir das três possibilidades que se seguem:

a) Em comunidade, organizada pela existência de uma instância externa à sociedade (o Estado, por exemplo), cuja função seria a efetivação e a manutenção da unidade da sociedade. A política, neste caso, seria coercitiva e o poder estaria localizado fora da sociedade, mas agindo sobre ela.

b) Isolada, como a maioria dos animais, talvez em pequenos grupos ou famílias. Essa condição seria praticamente impossível.

c) Em comunidade, mas sem a necessidade da política. A vida transcorreria em harmonia, sem diferenças, sem conflitos, nem confrontos, sem a necessidade de leis ou limites.

Retornemos às proposições de Wolff. A primeira é indesejável, afinal, quem gosta de viver sob coerção? A segunda possibilidade, que é a idéia de viver isoladamente, transita entre o romântico e o patético e é anacrônica. A terceira, que propõe a vida sem política, é uma utopia sem sustentação material. Sendo assim, o que nos resta?

Sabemos que vivemos juntos, em sociedade, e não isoladamente. Sabemos que temos diferenças e que os confrontos e conflitos fazem parte da vida em sociedade. Sabemos que existem profundas contradições sociais. Portanto, seja através do ideal de autogoverno ou de uma instância externa à sociedade e, portanto, coercitiva (o Estado), a política é uma dimensão necessária e constitutiva da existência humana; assim, onde houver uma sociedade, haverá política.

Resta saber então: Que tipo de política temos? Que tipo de política queremos? Que política podemos construir?

 
Francis Wolff é professor de Filosofia da Universidade de Paris X e diretor–adjunto da Escola Normal Superior (Paris). Ele também lecionou, como professor convidado, na Universidade de São Paulo (USP). Dentre suas publicações mais importantes traduzidas para o português estão: Aristóteles e a Política; Dizer o mundo; além dos ensaios: A invenção da política ; Quem é bárbaro?

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