"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Filosofia e Método (Parte 10/13)

René Descartes (1596-1650)

A primeira regra, também conhecida por “regra da evidência”, sintetiza um ponto muito importante na filosofia cartesiana. Descartes entende que a razão é uma capacidade que o homem possui para examinar os dados que os sentidos captam. Nisto ele não se distingue de filósofos anteriores. Mas, Descartes também pensa que a verdade e a certeza são condições sem as quais um homem não pode dizer que possui conhecimento. O filósofo foi educado em La Flèche, uma escola jesuíta que reunia o que havia de melhor em termos de Metafísica e Teologia do século XVII. Por meio dessa instrução, Descartes pôde exercitar-se durante anos em investigações metafísicas oriundas da Idade Média cujas teses e argumentos são, em sua maior parte, raciocínios prováveis. É contra esse tipo de procedimento que o método cartesiano ganha força. Para Descartes é importante rejeitar todos os juízos, demonstrações e dados que não possam ser tidos como verdadeiros e indubitáveis. Quando Descartes recomenda a certeza ele pensa naquela “luz natural” que cada homem possui, permitindo-lhe “intuir” (no sentido preciso de ver) a verdade de cada coisa. Veja como o filósofo delineia o método que orienta essa “visão mental”:

Todo método consiste inteiramente em ordenar e em agrupar os objetos nos quais deveremos concentrar o nosso poder mental se pretendermos descobrir alguma verdade. Seguiremos este método com exatidão se desse início reduzirmos as questões complicadas e obscuras, substituindo-as, passo a passo, por outras mais simples e depois, começando pela intuição das mais simples de todas, tentarmos conhecer todas as outras, através dos mesmos processos. (in: COTTINGHAM, 1989)

Você pode aplicar esse método no estudo de qualquer coisa, mas não deixe de atentar para o seguinte: a mensagem de Descartes é que sua razão segue um passo que vai do simples ao complexo por meio de graus de entendimento na matéria. Além disso, o trecho acima revela que o entendimento é uma espécie de visão mental, ou intuição, termo redefinido por Descartes e cujo significado não pode ser confundido com a tradição aristotélica. Em Descartes intuição é uma capacidade análoga à faculdade da visão. A clareza que o entendimento busca é uma capacidade de ver mentalmente as estruturas e qualidades dos corpos existentes, do mesmo modo que a projeção de mais luz sobre um corpo permite uma visão mais detalhada e precisa desse corpo.

Segundo Granger, o espírito do cartesianismo é o espírito da matemática:

Dividir a dificuldade, ir do simples ao complexo, efetuar enumerações completas, é o que observa rigorosamente o geômetra quando analisa um problema em suas incógnitas, estabelece e resolve suas equações. A originalidade de Descartes consiste em ter determinado, de forma por assim dizer canônica, essas regras de manipulação que somente se esboçam em seus contemporâneos na sua aplicação particular às grandezas, e de havê-las ao mesmo tempo oposto e substituído à Lógica da Escola, na qual vê apenas um instrumento de Retórica, inutilmente sofisticado. (DESCARTES, 1962)

Como se vê, o método cartesiano é uma projeção de princípios e regras que orientam o raciocínio matemático-geométrico. A terceira e quarta regras, respectivamente, apenas confirmam um procedimento de resolução de problemas na geometria: as linhas e as figuras simples estão contidas nas compostas, etc.

Vale ressaltar uma caracterização do conhecimento em Descartes que podemos chamar de “unitária”. Talvez sem o saber, Descartes retoma a opinião de Platão, para quem é possível identificar uma natureza comum do conhecimento, e se põe contra Aristóteles nesse ponto, o qual defendia a necessidade de distintas metodologias e perfis diferentes para cada ramo do saber.

0 Response to "Filosofia e Método (Parte 10/13)"