Em busca da essência do político (Parte 11/13)
Os tupi-guarani, de antes da descoberta, conseguiram realizar a essência do político; no entanto, o etnocentrismo dos colonizadores, presente também nos relatos dos viajantes, não permitiu que eles reconhecessem que aquelas comunidades viviam politicamente, e que não se organizavam a partir de um Estado (poder exterior à sociedade) simplesmente porque não tinham a necessidade dele, pois haviam conquistado algo que estava muito distante das possibilidades da civilização européia: a capacidade de autogoverno.
Clastres, em A sociedade contra o estado, demonstra que as interpretações européias das sociedades indígenas brasileiras as definiram como sociedades privadas de bens essenciais, sempre carentes de alguma coisa: sociedades sem escrita; sem Estado; sem mercado e sem história. Parece mais correto afirmar que a verdadeira carência estava na mentalidade etnocêntrica, dominadora e, portanto, bárbara dos invasores.
Clastres se opõe à idéia de que as sociedades primitivas “estariam, segundo se afirma, condenadas à economia de subsistência em razão da inferioridade tecnológica” (CLASTRES, 1978, p. 134). Os indígenas, afirma o antropólogo, não tinham necessidade e tampouco interesse numa economia geradora de excedentes, porque a economia de mercado não fazia parte dos seus interesses e da sua existência. Em decorrência disso, a concepção de trabalho talhada nos moldes do capitalismo moderno ocidental também não fazia parte do cotidiano indígena, eles desprezavam esse tipo de trabalho, para horror dos colonizadores. Arar a terra era desagradável, mas caçar e pescar eram consideradas, por eles, atividades de lazer. O desprezo pelo que os europeus denominavam como trabalho e a opção por uma outra forma de “subsistência” não têm qualquer relação com a idéia de miserabilidade forjada pelas narrativas dos viajantes. A cosmologia dos indígenas e, particularmente, a sua lógica “econômica”, eram muito diferentes daquilo que os conquistadores europeus cultivavam e impunham. Para os indígenas, viver bem trabalhando o mínimo, era importante e plenamente possível.
Clastres observa ainda que, apesar do seu desprezo pelo tipo de trabalho imposto pelos europeus, bem como a negação do sobre-trabalho que está na base do capitalismo (ver os conteúdos do livro de Sociologia – sobre Trabalho, Produção e Classes Sociais), do seu desinteresse pelo chamado progresso tecnológico, os indígenas, por vezes, produziam bens em excesso, mas estes eram distribuídos entre os membros da comunidade política e consumidos em festas, para as quais eram convidados também membros de outras aldeias.
Os índios, efetivamente, só dedicavam pouco tempo àquilo que damos o nome de trabalho. E, apesar disso, não morriam de fome. Os cronistas da época são unânimes em descrever a bela aparência dos adultos, a boa saúde das crianças, a abundância e variedade dos recursos alimentares. Por conseguinte, a economia de subsistência é, pois, compatível com uma considerável limitação do tempo dedicado às atividades produtivas. Era o que se verificava com as tribos sul-americanas de agricultores, como, por exemplo, os tupis-guaranis, cuja ociosidade irritava igualmente os franceses e os portugueses. (CLASTRES, 1998, p. 135)
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