A política em Maquiavel (Parte 07/07)
Titus Livius Polibio
Maquiavel e a História como Método
A história é aconchego para Maquiavel. Nos seus momentos de infortúnio, quando de seu exílio em San Casciano, ele aprende com os clássicos e esquece seus sofrimentos, como relata em carta a um amigo:
Chegando a noite, volto à minha casa e entro no meu gabinete de trabalho. Tiro as minhas roupas cobertas de sujeira e pó e visto as minhas vestes dignas das cortes reais e pontifícias. Assim, convenientemente trajado, visito as cortes principescas dos gregos e romanos antigos. Sou afetuosamente recebido por eles e me nutro do único alimento a mim apropriado e para o qual nasci. Não me acanho ao falar-lhes e pergunto das razões de suas ações; e eles com toda sua humanidade, me respondem. Então, durante 4 horas não sinto sofrimentos, esqueço todos os desgostos, não me lembro da pobreza e nem a morte me atemoriza /.../. (Carta a F. Vettori, de 10/12/1513. In: WEFFORT, 1989, p. 16)
É na história que Maquiavel orienta o governante a buscar as lições, aprendendo com as ações e os propósitos dos grandes homens. Maquiavel está exatamente no centro de um “turbilhão” de novas idéias que estão surgindo, numa fase de transição entre o antigo e o novo, num reavaliar dos projetos políticos e ao mesmo tempo numa tentativa de manutenção. Estão surgindo os Estados e a monarquia está perdendo sua legitimação pela tradição de sangue ou linhagem para fundar-se nas capacidades pessoais do governante. De sua prática, portanto, e do convívio com os clássicos é que nasceram os textos de Maquiavel (WEFFORT, 1989, p. 16).
Maquiavel propõe ao príncipe a observância do passado, que apresenta os modelos de heróis, a realidade humana e os meios para que o príncipe chegue ao poder e o mantenha. Eis sua orientação:
A fim de exercitar o espírito, o príncipe deve estudar a história e as ações dos grandes homens; ver como se conduziram na guerra, examinar as razões de suas vitórias e derrotas, para imitar as primeiras e evitar as últimas. Acima de tudo, deve agir como alguns grandes homens do passado ao seguir um modelo que tenha sido muito elogiado e glorificado, ter sempre em mente seus gestos e ações. Assim se diz que fez Alexandre, o Grande, com relação a Aquiles, César a Alexandre e Cipião a Ciro. Quem ler a biografia de Ciro, escrita por Xenofonte, verá que a glória de Cipião deve-se ao fato de ter imitado Ciro, repetindo suas qualidades de homem casto, afável, humanitário e liberal. (MAQUIAVEL, 2005, p. 95)
O objetivo é mostrar como as coisas são e o que se deve fazer com elas para se conseguir o que quer, lições estas que são encontradas nos antigos. Enquanto a religião exige um telos, um fim a ser atingido, uma recompensa, na concepção maquiaveliana o que existe é uma condição cíclica, onde as experiências do passado se repetem e os homens trilham quase sempre o mesmo caminho. É da natureza humana. Como numa seqüência interminável, “a ordem sucede à desordem e esta, por sua vez, clama por uma nova ordem. Como, no entanto, é impossível extinguir as paixões e os instintos humanos, o ciclo se repete.” (WEFFORT, 1989, p. 20) O tempo vai e volta e, no presente repetem-se as lições do passado. Quem for bom observador verá que as coisas já ocorreram de outra forma, mas com o mesmo sentido. O método maquiaveliano apóia-se na história e tem seus fundamentos em Políbio, historiador romano. Podemos constatar isto no fragmento do próprio Políbio, apresentado por Pinsky:
É próprio da história conhecer primeiramente a veracidade dos acontecimentos que efetivamente ocorreram e, em segundo lugar, descobrir a causa pela qual as palavras ou atos resultam, finalmente em fracasso ou sucesso. Com efeito, um simples relato pode ser correto sem ter nenhuma utilidade; acrescente-se-lhe em compensação, a exposição da causa, e a prática da história torna-se fecunda. Buscando as analogias para aplicá-las a nossos problemas atuais, encontramos meios e indicações para prever o futuro: o passado nos protege, bem como nos fornece um modelo, permitindo-nos realizar nossas empresas sempre mais confiantes. (POLÍBIO, in: PINSKY, 1988, p. 145)
A semelhança com a perspectiva maquiaveliana é inevitável. Políbio já ensinava “que não há escola mais autêntica, nem exercício melhor para as questões políticas que as lições da história. Nada nos ensina poder suportar dignamente as vicissitudes do acaso mais seguramente que a recordação das desgraças de outrem!” (POLÍBIO, in: PINSKY, 1988, p. 145) E por isso Maquiavel está dando orientações ao Príncipe a partir do olhar histórico, da história dos romanos e da surpreendente capacidade destes de dominar e manter o poder, como já atestava Políbio:
Nesse sentido, seria perfeitamente inconveniente repetir o que já foi expresso, e bem, por muitos outros; no meu caso sobretudo, onde as novidades dos fatos que nos propomos relatar será mais do que suficiente para atrair e provocar todo mundo a ler minha obra, tanto jovens como velhos. (...) Por outro lado, poderia existir homens tão loucamente curiosos a respeito de outra disciplina a ponto de não sacrificar tudo em prol desse gênero de informação histórica? (POLÍBIO, in: PINSKY, 1988, p. 145)
Não observar a história seria uma falta do governante. É uma questão de prudência. Ao observar os antigos, ele aprenderá com os erros do passado e evitará cometê-los no presente. Por outro lado, deverá apropriar-se do que foi efetivo politicamente para que os grandes homens ou povos se mantivessem no poder por tanto tempo, como no caso do Império Romano. Para Maquiavel,
(...) são esses os métodos que deve seguir um príncipe prudente, nunca permanecendo ocioso em tempos de paz, mas ao contrário, capitalizando experiência, de modo que qualquer mudança da sorte o encontre sempre preparado para resistir aos golpes da adversidade, impondo-se a ela. (MAQUIAVEL, 2005, p. 95)
Maquiavel apresenta-se tão atual quanto no momento em que escreve O Príncipe. Dentro desta atualidade do pensamento maquiaveliano, e agora podemos afirmar não maquiavélico, não validamos uma política despreocupada com valores, mas propõe-se uma política que seja efetiva, que resolva os problemas e construa valores práticos. Não é validada a esperteza sem sentido algum e nem tampouco a bondade sem coerência e domínio de poder do governante. Não basta um governante honesto, com uma excelente proposta política, mas que escolhe mal seus ministros e assessores. Neste sentido, tratar dos problemas políticos atuais à luz da leitura do pensamento de Maquiavel parece-nos uma indispensável contribuição para entendermos a política de forma mais real, ou seja, como ela é, como se faz, como se costura em conchavos e alianças. Menos iludidos, mais realistas, podemos perceber a importância da política e dos nossos políticos. Com certeza também poderemos agir de forma esclarecida quanto aos nossos direitos e deveres, principalmente no trato com o poder que delegamos aos nossos representantes.
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