A política em Maquiavel (Parte 06/07)
Antônio Gramsci (1891 –1937)
O Estado
Para Maquiavel, o conflito que existe entre os homens é o que fundamenta a ação política. Tendo em vista a liberdade, exige-se a administração dos conflitos, de tal modo que não se permita o crescimento do poder de um determinado grupo em detrimento de outro, o que levaria a perda da liberdade. Para Maquiavel os homens não desejam a liberdade do mesmo modo e também a liberdade é objeto de uma paixão. Alguns querem liberdade para estar seguros e outros para dominar. Por isso, “tudo o que é capaz de unir os homens e de subtraí-los ao temor que eles se inspiram mutuamente é, portanto, um bem; a política é sua prática, pois se trata de uma arte cujo objetivo é garantir “para sempre a tranqüilidade do Estado e a felicidade das pessoas.” (SPITZ, 2003, p. 126)
“Nada faz com que um príncipe seja mais estimado do que os grandes empreendimentos e os altos exemplos que dá.” (MAQUIAVEL, 2005, p. 130). Estes empreendimentos referem-se às grandes conquistas militares e aos exemplos do seu poderio. Orienta ainda que “é muito útil também para o príncipe dar algum exemplo notável de sua grandeza no campo da administração interna”. (MAQUIAVEL, 2005, p. 131)
Maquiavel alerta que “nenhum Estado deve crer que pode sempre seguir uma política segura”, mas “ao contrário, deve pensar que todos os caminhos são duvidosos.” (MAQUIAVEL, 2005, p. 134) Para bem administrar o Estado é preciso entender a natureza das coisas, o fato de que não se consegue evitar uma dificuldade sem cair em outra. A prudência do príncipe consiste em saber reconhecer estas questões e escolher entre o que é menos mau para a sociedade.
Por fim, Maquiavel propõe o apreço pelas virtudes e praticamente uma participação popular de tempos em tempos, construindo assim a idéia de solidariedade e generosidade por parte do príncipe. Vejamos o texto:
Os príncipes devem demonstrar também apreço pelas virtudes, dar oportunidade aos mais capazes e honrar os excelentes em cada arte. Devem, além disso, incentivar os cidadãos a praticar pacificamente sua atividade – no comércio, na agricultura ou em qualquer outro ramo profissional. Assim, que uns não deixem de aumentar seu patrimônio pelo temor de que lhes seja retirado o que possuem, e outros não deixem de iniciar um comércio, com medo dos tributos; devem os príncipes, ao contrário, instituir prêmios para quem é ativo e procurar de um modo ou de outro melhorar sua cidade ou Estado. Além disso, precisam manter o povo entretido com festas e espetáculos, nas épocas convenientes; e como toda cidade se divide em corporações ou em classes, devem dar atenção a todos esses grupos, reunir-se com seus membros de tempos em tempos, dando-lhes um exemplo da sua solidariedade e munificência – guardando sempre, contudo, sua dignidade majestosa, que não deve faltar em nenhum momento. (MAQUIAVEL, 2005, p. 134-135)
Para o pensador italiano, Antonio Gramsci, “em todo o livro, Maquiavel mostra como deve ser o Príncipe para levar um povo à fundação do novo Estado, e o desenvolvimento é conduzido com rigor lógico, com relevo científico”. (GRAMSCI, 1991, p. 4) Maquiavel trata com seriedade a política e sente-se parte do povo que ele supõe constituirá este novo Estado. Como esclarece Gramsci, “Maquiavel faz-se povo, confunde-se com o povo, mas não com um povo ‘genericamente’ entendido, mas com o povo que Maquiavel convenceu com o seu desenvolvimento anterior, do qual ele se torna e se sente consciência e expressão, com o qual ele se sente identificado”. (GRAMSCI, 199, p. 4) Neste sentido, toda lógica em Maquiavel parece atender a uma reflexão do povo, de “um raciocínio interior que se manifesta na consciência popular e acaba num grito apaixonado, imediato”. (GRAMSCI, 1991, p. 4) No pensamento gramsciano há uma verdadeira perspectiva de “manifesto político” na obra de Maquiavel. Não é algo que vem de fora, de teóricos, de tratados políticos, mas do próprio pensamento popular interpretado por Maquiavel. Ainda com Gramsci podemos entender que “a doutrina de Maquiavel não era, no seu tempo, uma coisa puramente ‘livresca’, um monopólio de pensadores isolados, um livro secreto que circula entre iniciados” (GRAMSCI, 1991, p. 10). Escrevendo coisas aplicáveis, Maquiavel pretende ensinar, educar, mas não a quem já sabe, ou que estaria numa “elite dominante” necessariamente. Para Gramsci não parece este o intento de Maquiavel. O que ele propõe vai além, tem propósito maior. Vejamos as palavras do próprio Antonio Gramsci:
Pode-se, portanto, supor que Maquiavel tem em vista “quem não sabe”, que ele pretende educar politicamente “quem não sabe”. Educação política não-negativa, dos que odeiam tiranos, como poderia entender Foscolo, mas positiva, de quem deve reconhecer como necessários determinados meios, mesmo se próprios dos tiranos, porque deseja determinados fins. Quem nasceu na tradição dos homens de governo, absorvendo todo o complexo da educação no ambiente familiar, no qual predominam os interesses dinásticos ou patrimoniais, adquire quase que automaticamente as características do político realista. Quem, portanto, “não sabe”? a classe revolucionária da época, o “povo” e a “nação” italiana, a democracia urbana que se exprime através dos Savanarola e dos Píer Soderini e não dos Castruccio e dos Valentino. Pode-se deduzir que Maquiavel pretende persuadir estas forças da necessidade de ter um “chefe” que saiba aquilo que quer e como obtê-lo, e de aceitá-lo com entusiasmo, mesmo se suas ações possam estar ou parecer em contradição com a ideologia difundida na época: a religião. (GRAMSCI, 1991, p. 11)
Em Maquiavel, há uma construção da política de forma autônoma, fundada na realidade, mas também na necessidade de mudar esta realidade para conseguir o intento maior: a unificação da Itália e a fundação do Estado italiano.
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