"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Em busca da essência do político (Parte 04/13)



O Ideal Político

O ideal político se caracteriza pela existência de uma comunidade e pela construção e manutenção de uma unidade desta comunidade, sem que para isso ela precise submeter-se a um poder externo (do tipo: “eles” são o poder; eles fazem as leis que nós devemos obedecer). Não se trata, contudo, de uma defesa da anarquia. É importante registrar que não é possível a vida em comum sem que haja regras e sanções muito claras. Logo, uma comunidade política ideal deve estabelecer suas finalidades, suas regras, suas prioridades, enfim, deve autogovernar-se (nós somos o poder; nós fazemos as leis que normatizam a vida na comunidade e isso constitui a nossa liberdade). No entanto, a história testemunha o quão difícil é a consecução desse ideal do político.

Se houvesse uma comunidade que, em lugar de manter-se por meio de um poder distinto dela mesma (uma instância organizada para esse fim, um chefe todo-poderoso, um grupo dirigente, uma classe dominante, um Estado), se conservasse em sua unidade apenas por sua própria potência, uma sociedade na qual o poder político só pudesse ser localizado na comunidade política em seu conjunto, poderíamos dizer dessa sociedade que ela realizou a idéia do político. (WOLFF, 2003, p.31)

Wolff (2003) defende a tese de que apenas duas sociedades conseguiram realizar o ideal político, que é a unidade da comunidade política, sem coerção externa. Quais foram essas sociedades? Essas sociedades foram, os atenienses da Antigüidade e os índios do Brasil, de antes da descoberta.

Certamente você já ouviu falar da genialidade dos gregos e da sua famosa invenção: a democracia na Atenas da Antigüidade. Mas alguma vez já ouviu falar que os índios brasileiros, particularmente os tupis-guaranis, também foram, de maneira diferente, bem sucedidos na aventura de construir uma comunidade política que garantisse uma vida boa aos seus integrantes?

Sabemos pouco sobre as comunidades políticas dos índios brasileiros, e isso se deve, em grande parte, às concepções eurocêntricas e etnocêntricas às quais nossa formação e nossa cultura foram e ainda são submetidas. O antropólogo francês Pierre Clastres é um dos poucos pesquisadores que se dedicaram a essa questão. Sobre seu trabalho, falaremos mais adiante.

Vamos, agora, buscar compreender, num primeiro momento, o que caracterizou a realização da essência do político para os atenienses e para os índios do Brasil. Quais são as aproximações e quais os distanciamentos entre essas culturas tão distantes e, aparentemente, tão distintas? O que diferencia suas políticas daquela que caracteriza a modernidade e a contemporaneidade?


Pierre Clastres (1934-1977) – um dos maiores nomes da antropologia política, tem publicados no Brasil: A sociedade contra o Estado; Arqueologia da violência; Crônica dos índios Guayaki e A fala sagrada.

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