Anos 1920 - Arte e Cultura (Parte 01/06)
Na década de 1920 era nítida a preocupação de se discutir a identidade e os rumos da nação brasileira. Todos tinham algo a dizer - políticos, militares, empresários, trabalhadores, médicos, educadores, mas também artistas e intelectuais. Como deveria ser o Brasil moderno? Através da literatura, das artes plásticas, da música, e mesmo de manifestos, os artistas e intelectuais modernistas buscaram compreender a cultura brasileira e sintonizá-la com o contexto internacional. O marco de seu movimento foi a Semana de Arte Moderna de 1922. Mas havia também intelectuais preocupados com a reforma das instituições - a começar pela Constituição de 1891 -, que se dedicaram a apresentar propostas para a reorganização da sociedade brasileira.
A entrada do Brasil na modernidade foi parte de um processo complexo em que se entrecruzaram dinâmicas diferentes. Nas primeiras décadas do século XX aceleraram-se a industrialização, a urbanização, o crescimento do proletariado e do empresariado. De outro lado, permaneceram a tradição colonialista, os latifúndios, o sistema oligárquico e o desenvolvimento desigual das regiões. De toda forma, com a expansão dos centros urbanos, modificaram-se os valores da cultura cotidiana e os próprios padrões da comunicação social. As idéias de simultaneidade, concisão, fragmentação, velocidade e arrojo passaram a expressar os tempos modernos. As kodaks, o cinema e as revistas ilustradas captavam um mundo feito de imagens. Era inevitável que a arte expressasse as transformações trazidas pela modernidade. Mas, no Brasil, outros problemas também preocupavam artistas e intelectuais. "Nós não nos conhecemos uns aos outros dentro do nosso próprio país." A frase, do escritor carioca Lima Barreto, caracteriza bem o espírito da década de 1920. Era um tempo de indagações e descobertas. A tarefa que se impunha era a de construir a nação, e isso significava também repensar a cultura, resgatar as tradições, costumes e etnias que haviam permanecido praticamente ignorados pelas elites. A questão da identidade nacional estava agora em primeiro plano: que cara tem o Brasil? Artistas e intelectuais buscaram responder a essa pergunta, e esse esforço foi uma característica importante do modernismo brasileiro. Isso não quer dizer que o modernismo tenha sido um movimento homogêneo. Ao contrário: produziu imagens e reflexões sobre a nacionalidade profundamente contrastantes entre si.
A Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo no ano de 1922, representou uma verdadeira "teatralização" da modernidade. Mas o movimento modernista não se resumiu à Semana. Na verdade começou antes de 1922 e se prolongou pela década de 1930. Tampouco se restringiu a São Paulo. Houve também uma modernidade carioca, e a proliferação de revistas e manifestos por todo o país indica que o raio de ação do movimento foi maior do que se supõe.
Assim como a Exposição Universal do Rio de Janeiro de 1922, a Semana de Arte Moderna fazia parte da agenda oficial comemorativa do Centenário da Independência. O evento teve grande impacto na época, pois formalizou e discutiu questões que já se estavam esboçando na vida cultural. Por exemplo: como integrar tradição e modernidade? regional e universal? popular e erudito?
Mário de Andrade defendia a perspectiva de integração dinâmica do passado ao presente. No "Prefácio interessantíssimo" de seu livro de poemas Paulicéia desvairada (1922), definia o passado como "lição para meditar não para reproduzir". A tradição em si não tinha valor, a não ser que estabelecesse um elo vivo com a atualidade. Era esse o sentido dos estudos folclóricos a que se dedicou. Seu célebre livro Macunaíma (1928) mostra um herói que nasce índio, torna-se negro e no final é branco. O herói Macunaíma sobrevoa o Brasil nas asas de um pássaro. O que importava era destacar a nossa multiplicidade étnico-cultural, vislumbrar o conjunto da nacionalidade.
Outro autor modernista de renome, Oswald de Andrade, propunha no "Manifesto pau-brasil" (1924) uma síntese capaz de unir o "lado doutor" da nossa cultura ao lado popular. Já no "Manifesto antropofágico" (1928), sugeria um projeto de reconstrução da cultura nacional. Metaforicamente, deveríamos devorar e absorver de maneira crítica as influências do "inimigo" externo. As idéias do futurismo, do dadaísmo e do surrealismo poderiam ser integradas à nossa cultura desde que fossem reelaboradas. No quadro de Tarsila do Amaral intitulado "Abaporu" - que significa "o homem que come" - está expressa plasticamente a idéia da integração cultural.
O grupo dos verde-amarelos, por sua vez, tinha idéias bastante diferentes: propunha um "retorno ao passado", considerado como o depositário das nossas verdadeiras tradições. Via no popular, com sua índole pacífica, a alma da nacionalidade, a ser guiada pelas elites político-intelectuais do país. No manifesto "Nhengaçu verde-amarelo" (1929), defendia as fronteiras nacionais contra as influências culturais estrangeiras. Nesse ponto o grupo reforçava a tese do nacionalismo militarista de Olavo Bilac, fundador da Liga de Defesa Nacional e criador da figura do "poeta-soldado". As idéias dos verde-amarelos seriam mais tarde incorporadas pelo regime autoritário do Estado Novo (1937-1945).
Entre os intelectuais dos anos 20 cujas análises visavam à definição de novos rumos para o país, incluíam-se Oliveira Viana, Gilberto Amado, Pontes de Miranda. Eles escreveram ensaios que foram publicados em 1924 em uma coletânea organizada por Vicente Licínio Cardoso, chamada “À margem da história da República”. Na base de seu ideário estava o pensamento do político e escritor fluminense Alberto Torres.
Um dos nossos maiores problemas, na opinião desses pensadores, era a debilidade do governo federal. A Constituição de 1891 estava a seu ver ultrapassada, e isso por dois motivos principais: possuía inspiração externa e assegurava grande poder aos estados em detrimento do poder central. Urgia que o país construísse seu próprio modelo e criasse instituições adequadas à realidade nacional.
Fonte: Portal CPDOC/FGV
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