"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Anos 1920 - Crise Política (Parte 01/08)

Deportados políticos no campo de internamento em Clevelândia, 1924. Amapá.
(CPDOC/ LC foto 003/10)

O sistema oligárquico foi a base política da Primeira República (1889-1930). O poder era controlado por uma aliança entre as oligarquias paulista e mineira, que se expressava no revezamento de representantes desses dois estados na presidência da República. Na década de 1920, essa longa hegemonia começou a ser contestada com maior vigor por outros grupos oligárquicos, que dominavam estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia e estavam descontentes com seu afastamento das principais decisões políticas do governo. Nas eleições presidencias de 1922, esses grupos lançaram o nome de Nilo Peçanha contra o candidato situacionista Artur Bernardes. A derrota da oposição abriu caminho para uma crise militar que deu origem ao movimento tenentista. Às vésperas das eleições presidenciais de 1930, uma nova frente de estados oposicionistas se formou, agora com apoio da oligarquia mineira, e lançou a candidatura de Getúlio Vargas. A derrota do candidato da oposição para o paulista Júlio Prestes, e a aliança dos derrotados com os "tenentes" acabaram conduzindo à Revolução de 1930.
A Primeira República brasileira, que teve por base a Constituição de 1891 definiu seu padrão político no final da década de 1890. Seu principal mecanismo foi a "política dos governadores", que teve como base o seguinte acordo: o governo federal garantia ampla autonomia aos grupos oligárquicos dominantes de cada estado, e em troca as bancadas estaduais lhe davam apoio político no Congresso. O resultado desse pacto foi o enfraquecimento das oposições, a fraude eleitoral e a exclusão da maior parte da população de qualquer participação política.
O controle político oligárquico também era assegurado pelo voto aberto e pelo reconhecimento dos candidatos eleitos não pelo Poder Judiciário, mas pelo próprio Poder Legislativo. Como o Congresso sofria a influência do presidente e dos governadores, esse mecanismo dava margem à chamada degola dos candidatos indesejáveis.
A "política dos governadores", no entanto, não impedia a luta dos grupos oligárquicos pela presidência da República. Para regular a disputa, chegou-se a um novo acordo informal: o revezamento de São Paulo e Minas Gerais na chefia do Poder Executivo. Esses dois estados elegeram 8 dos 13 presidentes na Primeira República.
Os estados de menor força política ficavam praticamente à margem nesse jogo de cartas marcadas. Já estados de importância mediana, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, buscavam ocupar espaços atuando individualmente ou em conjunto. Nas eleições presidenciais de 1922 esses estados de segunda grandeza se uniram com o intuito de romper com o predomínio de Minas Gerais e São Paulo. Foi criado um movimento político de oposição - a Reação Republicana - que lançou o nome do fluminense Nilo Peçanha contra o candidato oficial, o mineiro Artur Bernardes.
O programa oposicionista defendia a maior independência do Poder Legislativo frente ao Executivo, o fortalecimento das Forças Armadas e alguns direitos sociais do proletariado urbano. Todas essas propostas eram apresentadas num discurso liberal de defesa da regeneração da República brasileira.
Até aí não havia grandes novidades. Parecia que a lei de ferro das sucessões presidenciais na Primeira República iria se manter, isto é, a oposição iria concorrer, perder e reclamar das fraudes sem resultado. A história, no entanto, foi um pouco diferente. Para começar porque pela primeira vez organizava-se uma chapa de oposição forte com o apoio de importantes grupos regionais. Além disso, o movimento contou com a adesão de diversos militares descontentes com o presidente Epitácio Pessoa, que nomeara um civil para a chefia do Ministério da Guerra. Finalmente, a Reação Republicana conseguiu, em uma estratégia praticamente inédita na história brasileira, desenvolver uma campanha baseada em comícios populares nos maiores centros do país. O mais importante deles foi o comício na capital federal, quando Nilo Peçanha foi ovacionado pelas massas.
No mês de outubro de 1921 a campanha eleitoral esquentou. Foram publicadas na imprensa carioca cartas atribuídas a Artur Bernardes em que este fazia comentários desrespeitosos sobre os militares. Apesar de Bernardes negar a autoria das cartas, o episódio - mais tarde chamado das "cartas falsas" - acirrou os ânimos e abriu caminho para que alguns oficiais iniciassem movimentos no sentido de impedir, a todo custo, a vitória do candidato oficial.
A conspiração não teve maiores conseqüências, e as eleições puderam transcorrer normalmente em março de 1922. Como era de se esperar, a vitória foi de Artur Bernardes. O problema foi que nem a Reação Republicana nem os militares aceitaram o resultado. Como o governo se manteve inflexível e não aceitou a proposta da oposição de rever o resultado eleitoral, o confronto se tornou apenas uma questão de tempo.
No mês de julho de 1922, algumas unidades militares no Rio de Janeiro e em Mato Grosso se levantaram contra o governo. Foram derrotadas. A rebelião mostrou-se desarticulada e sem base política, mas serviu de detonadora para outros levantes militares nos anos seguintes. Era o início do movimento tenentista. O governo reagiu decretando o estado de sítio.
O clima de tensão política permaneceu durante toda a gestão do presidente Artur Bernardes. A imprensa foi censurada e centenas de oposicionistas civis e militares foram presos e desterrados para campos de internamento no norte do país. Com os grupos dissidentes vigiados e controlados, coube aos militares a vanguarda das ações contra o governo. Dois anos depois eclodiram os levantes de 1924 e pouco mais tarde formou-se a Coluna Prestes.
No governo seguinte, a situação se acalmou um pouco. O presidente Washington Luís levantou o estado de sítio com a promessa de reduzir a repressão política. A crise política apenas ganharia fôlego novamente na sucessão presidencial de 1930. E foi motivada, principalmente, pela cisão causada pela atitude de Washington Luís de indicar para a sua sucessão o paulista Júlio Prestes, e não, como se esperava, o mineiro Antônio Carlos. Interessava a Washington Luís que seu sucessor mantivesse o seu plano de estabilização financeira. Mas com isso rompeu-se a aliança que havia dominado por décadas a política brasileira.
Como resultado direto do rompimento do pacto Minas-São Paulo, a oposição reaglutinou-se, agora com apoio da poderosa oligarquia mineira. Foi formada a Aliança Liberal, que lançou as candidaturas do gaúcho Getúlio Vargas para a presidência e do paraibano João Pessoa para a vice-presidência. A chapa foi apoiada também pela dissidência paulista, organizada no Partido Democrático, e por diversos outros setores civis e militares.
O nome de Getúlio Vargas cresceu durante a campanha, mas a candidatura de Júlio Prestes manteve-se como favorita. A grande maioria dos grupos oligárquicos regionais manteve-se fiel à orientação do presidente da República.
Em março de 1930 realizaram-se as eleições, e a história mais uma vez foi a mesma: venceu a candidatura oficial. As denúncias de fraude ganharam a imprensa, e grupos oposicionistas civis e militares começaram a conspirar. Repetia-se o que havia ocorrido no ano de 1922. Mas agora a oposição estava mais forte e articulada. De março a outubro foram sete meses de tensão política que tiveram como desfecho a derrubada de Washington Luís na Revolução de 1930.

Fonte: CPDOC/FGV

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