Idade Média (Parte 01/07)
(…)
E Sofia se pôs a caminho. A igreja de Santa Maria ficava a alguns quilômetros dali, mas, embora Sofia só tivesse dormido umas duas horas, sentia-se disposta e desperta. Sobre as colinas, a leste, começava a aparecer uma faixa de luz avermelhada.
Já eram quase quatro [horas] quando Sofia chegou à porta da igreja de pedra. Tentou empurrar a pesada porta de madeira. E não é que estava aberta?
Lá dentro, o vazio e o silêncio eram tão grandes quanto a própria idade da igreja. Uma luminosidade azulada atravessava os vitrais das janelas, revelando centenas de milhares de partículas de poeira suspensas no ar. O pó parecia reunir-se nas grossas vigas que cortavam a nave da igreja. Sofia sentou-se num banco bem no meio da igreja. Dali ficou olhando o altar, onde havia um antigo crucifixo pintado em cores suaves.
Passaram-se alguns minutos. De repente ela ouviu o som de um órgão. Sofia não ousou se virar. Parecia o som de um coral muito antigo. Na certa um coral medieval.
De novo tudo ficou silencioso. Então Sofia ouviu alguns passos se aproximando por trás. Será que ela deveria se voltar e olhar?
Preferiu continuar com os olhos cravados no Cristo da cruz.
Os passos estavam cada vez mais próximos. De repente, uma figura passou por ela e continuou andando pela igreja. A figura trajava um hábito de monge marrom. Sofia podia jurar que se tratava de um monge da Idade Média.
Sentiu medo, mas não entrou em pânico. Diante do altar, o monge deu meia-volta e subiu no púlpito. Ele se debruçou sobre o parapeito, olhou para Sofia e disse em latim:
— Gloria patri et filio et spirito sancto. Sicut erat in principio et nunct et semper in saecula saeculorum.
— Fale em norueguês, seu bobo! — gritou Sofia.
Suas palavras ecoaram na igreja de pedra.
Ela estava certa de que aquele monge era Alberto Knox. Apesar disso, ficou arrependida de ter se expressado de forma tão desrespeitosa dentro de uma igreja antiga. Mas estava com medo, e quando a gente tem medo às vezes é bom quebrar todos os tabus.
— Psiu!
Alberto ergueu uma mão, como se pedisse aos fiéis que se sentassem. Exatamente como fazem os padres.
— Que horas são, minha filha?
— Cinco para as quatro — respondeu Sofia, agora já sem o medo que sentia antes.
— Então está na hora. Vai começar a Idade Média.
— A Idade Média começo às quatro horas? — perguntou Sofia, confusa.
— Mais ou menos às quatro horas, sim. E depois o relógio bateu cinco e seis e sete horas. Mas o tempo parecia ter parado. Depois oito e nove e dez. E ainda era a Idade Média, compreende? Mais do que hora de se levantar para um novo dia, você poderá pensar. Sim, sim, entendo o que você quer dizer. Mas é um fim de semana, entende? Um único e longo fim de semana. Então o relógio bateu onze e doze e treze: um período que chamamos de Baixa Idade Média, quando se construíram as grandes catedrais da Europa. Só ali pelas catorze horas é que um galo começa a cantar. Um aqui, outro ali. E então… a longa Idade Média começa a caminhar rumo ao seu fim.
— Quer dizer que a Idade Média durou dez horas? — perguntou Sofia.
Alberto descobriu a cabeça, até então envolta pelo hábito de monge, e fitou sua audiência, que naquele momento se resumia a uma jovem de catorze anos.
— Se cada hora valer cem anos, então sua conta está certa. Podemos imaginar que Jesus nasceu à meia-noite, que Paulo saiu em peregrinação missionária pouco antes da meia-noite e meia e morreu quinze minutos depois, em Roma. Até as três da manhã a fé cristã foi mais ou menos proibida. E então, em 313, o Império Romano reconheceu o cristianismo como religião. Foi durante o governo do imperador Constantino. Só muitos anos depois, já no seu leito de morte, é que o devoto imperador se deixou batizar. Em 380, o cristianismo se tornou a religião oficial de todo o Império Romano.
— Mas depois o Império Romano não ruiu?
— Suas estruturas já estavam bastante abaladas, sim. Estamos diante de uma das transformações culturais mais importantes da história. No século IV, Roma foi ameaçada tanto por levas de povos que vinham do Norte quanto por um processo de desintegração interna. Em 330, o imperador Constantino, o Grande, transferiu a capital do Império Romano para Constantinopla, cidade que ele próprio tinha fundado às margens do mar Negro. A partir de então, Constantinopla passou a ser conhecida como “a segunda Roma”. No ano de 395, o Império Romano foi dividido: passou a haver, então, um Império Romano do Ocidente, tendo Roma como seu centro, e um Império Romano do Oriente, cuja capital era a nova cidade de Constantinopla. Em 410, Roma foi pilhada por povos bárbaros, e em 476 todo o Império Romano do Ocidente ruiu. O Império Romano do Oriente continuou a existir até 1453, ano em que os turcos tomaram Constantinopla.
— E desde então a cidade se chama Istambul?
— Isso mesmo. Outra data que precisamos gravar é o ano de 529. Neste ano, a Academia de Platão, em Atenas, foi fechada. E no mesmo ano foi fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Assim, o ano de 529 simboliza o momento em que a Igreja cristã “coloca uma tampa” na filosofia grega. Dali em diante, os mosteiros passaram a deter o monopólio da educação, reflexão e meditação. E os ponteiros de nosso relógio caminham agora para as cinco e meia…
Extratos da obra de GAARDER, Jostein.
O Mundo de Sofia. Romance da História da Filosofia.
São Paulo: Cia das Letras, 1996.
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