Idade Média (Parte 05/07)
TOMÁS DE AQUINO - (Páginas 197-205.)
Lá fora ainda havia uma fina cortina de neblina sobre o chão. O sol já nascera havia algumas horas, mas ainda não tinha conseguido atravessar o véu de neblina da manhã. A igreja de Santa Maria ficava na divisa com a cidade velha. Alberto sentou-se num banco na frente da igreja. Sofia ficou imaginando o que aconteceria se algum conhecido passasse por ali. Já era uma coisa estranha ficar sentada num banco às oito horas da manhã; ainda mais ao lado de um monge da Idade Média!
— São oito horas — começou Alberto. — Desde Agostinho são passados quatrocentos anos, e agora começa o longo dia escolar. Até as dez horas as escolas dos mosteiros detiveram o monopólio da educação. Entre dez e onze horas são fundadas as primeiras universidades. E então começam a ser construídas as grandes catedrais. Esta igreja aqui também foi construída por volta do meio-dia, ou na chamada Baixa Idade Média. Esta cidade não tinha meios para bancar a construção de uma catedral maior.
— E para que uma igreja maior? — retrucou Sofia, interrompendo-o. — Acho simplesmente horríveis as igrejas vazias.
— Mas as grandes catedrais não foram construídas apenas para abrigar uma grande comunidade. Elas foram erigidas em honra a Deus e eram em si uma espécie de serviço religioso. Na Alta Idade Média, porém, aconteceu ainda uma outra coisa que é do interesse de filósofos como nós.
— Conte-me!
Alberto prosseguiu:
— A influência dos árabes na Espanha começou a se fazer sentir. Durante toda a Idade Média, os árabes haviam mantido viva a tradição aristotélica. A partir de 1200, aproximadamente, estudiosos árabes vieram para o Norte da Itália a convite dos príncipes locais. Desta forma, muitos dos escritos desses estudiosos se tornaram conhecidos e acabaram sendo traduzidos do grego e do árabe para o latim. E isto despertou novamente o interesse pelas questões relativas às ciências naturais. Além disso, reavivou-se a discussão sobre a relação entre a fé cristã e a filosofia grega. Nas questões relativas às ciências naturais, todos os caminhos passavam necessariamente por Aristóteles. Contudo, restava saber ainda quando é que os “filósofos” deviam ser ouvidos e quando é que se deveria ouvir exclusivamente a Bíblia. Você está me acompanhando?
Sofia concordou com a cabeça, e o monge prosseguiu:
— O maior e mais importante filósofo da Baixa Idade Média foi são Tomás de Aquino, que viveu entre 1225 e 1274. Ele era originário da pequena cidade de Aquino, entre Roma e Nápoles, mas também trabalhou como professor em Paris. Eu o chamo de “filósofo”, mas ele foi igualmente um teólogo. Naquela época não existia uma nítida divisão entre filosofia e teologia. De forma breve, podemos dizer que são Tomás de Aquino “cristianizou” Aristóteles do mesmo modo como Agostinho fizera com Platão no início da Idade Média.
— Não era um tanto esquisito cristianizar filósofos que tinham vivido tantos séculos antes do nascimento de Cristo?
— Em parte você tem razão. Mas o que entendemos por “cristianização” desses dois filósofos é o fato de eles terem sido interpretados e entendidos de modo a deixarem de significar uma ameaça para a doutrina cristã. Diz-se de são Tomás de Aquino que ele “conseguiu pegar o touro pelos chifres”.
— Não sabia que a filosofia tinha alguma coisa a ver com touradas…
— São Tomás de Aquino está entre os que tentaram conciliar a filosofia de Aristóteles com o cristianismo. E o que se atribui a ele é o mérito de ter conseguido a grande síntese entre a fé e o conhecimento. São Tomás de Aquino só conseguiu este feito porque mergulhou na filosofia de Aristóteles e a tomou ao pé da letra.
— Ou pelo chifre. Desculpe-me… é que eu quase não dormi esta noite e temo que você tenha que explicar isto mais detalhadamente.
— São Tomás de Aquino não acreditava num paradoxo irreconciliável entre aquilo que nos diz a filosofia ou a razão, de um lado, e a revelação ou a fé cristã, de outro. Muito freqüentemente, o cristianismo e a filosofia falam da mesma coisa. Isto quer dizer que podemos sondar com a razão as mesmas verdades que lemos na Bíblia.
— Como isto pode ser possível? Será que a razão é capaz de nos dizer que Deus criou o mundo em seis dias? Ou então que Jesus era filho de Deus?
— Não, não. Só pela fé e pela revelação cristã é que podemos chegar a essas puras “verdades de fé”. Para são Tomás de Aquino, porém, havia ainda uma série de “verdades naturais teológicas” ao lado dessas “verdades de fé”. Por “verdades naturais teológicas” ele se referia àquelas verdades a que podemos chegar tanto pela fé cristã quanto pela nossa própria razão “natural”, inata. Para ele, um exemplo desse tipo de verdade seria o fato de que existe um Deus. Tomás acreditava, portanto, em dois caminhos que levavam a Deus. O primeiro passava pela fé e pela revelação cristã, o segundo pela razão e os sentidos. É claro que dos dois caminhos o mais seguro era o dá fé e da revelação, pois o homem pode facilmente se enganar quando confia apenas na razão. Mas o que importa salientar nesse contexto é o fato de que, para são Tomás de Aquino, não precisava necessariamente existir um paradoxo entre a doutrina cristã e um filósofo como Aristóteles.
— Quer dizer que podemos nos ater tanto a Aristóteles quanto à Bíblia?
— Não, não. Aristóteles percorreu apenas um pedaço do caminho, porque ele não conheceu a revelação cristã. Mas percorrer um pedaço do caminho não é o mesmo que tomar o caminho errado. Não é errado dizer, por exemplo, que Atenas fica na Europa. Só que está também não é uma afirmação muito precisa. Se um livro diz que Atenas é uma cidade da Europa, você ainda vai precisar procurar no atlas a localização da cidade. E ali você encontra a verdade por inteiro: Atenas é a capital da Grécia, um pequeno país do Sudeste da Europa. Com um pouco de sorte você ainda fica sabendo alguma coisa sobre a Acrópole. Tudo isto para não falar de Sócrates, Platão e Aristóteles.
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