Idade Média (Parte 04/07)
Ilustração da Cidade de Deus e Cidade dos Homens
de Santo Agostinho
Agostinho (continuação)
— Isto também nos mostra que Agostinho e muitos outros membros do clero se esforçavam ao máximo para conciliar o pensamento grego com o judeu. De certa forma, eles eram cidadãos de duas culturas. Também na sua visão sobre o mal Agostinho remonta ao neoplatonismo. Como Plotino, ele também achava que o mal era a “ausência” de Deus. Assim, o mal não teria uma existência autônoma, mas seria algo que não é. Isto porque Deus só criou o bem. Para Agostinho, o mal surge da desobediência do homem. Ou, para dizê-lo com suas próprias palavras: “a ‘boa vontade’ é ‘obra de Deus’, a ‘má vontade’ é a ‘ausência da obra de Deus’”.
— Ele também acreditava que o homem possui uma alma imortal?
— Sim e não. Agostinho explica que entre Deus e o mundo existe um abismo intransponível. Nesse sentido ele está firmemente enraizado em solo bíblico e refuta a doutrina de Plotino, para quem tudo é uma coisa só. Mas Agostinho também deixa claro que o homem é um ser espiritual. Ele possui um corpo material, que pertence ao mundo físico e que sofre a corrosão do tempo e de outros agentes, mas também possui uma alma, capaz de reconhecer Deus.
— O que acontece com a alma quando morremos?
— Para Agostinho, toda a raça humana fora amaldiçoada depois do pecado original. Não obstante, Deus havia decidido que alguns homens seriam salvos da maldição eterna.
— Bem, do mesmo jeito Ele poderia ter decidido que ninguém seria amaldiçoado — revidou Sofia.
— Mas neste ponto Agostinho nega que o homem tenha o direito de criticar Deus. E cita Paulo em sua Epístola aos Romanos: “Ó homem, quem és tu para replicares a Deus? Porventura o vaso de barro diz a quem o fez: ‘Por que me fizeste assim?’. Porventura não é o oleiro senhor do barro para poder fazer da mesma massa um vaso para uso honroso e outro para uso vil?”.
— Quer dizer que Deus fica lá no céu brincando com as pessoas? E quando alguma de suas criações fez alguma coisa que não Lhe convém, Ele simplesmente a lança em desgraça?
— Para Agostinho, nenhum homem merece a redenção divina. Não obstante, Deus teria escolhido alguns que seriam salvos da condenação eterna. Para Ele, portanto, não há qualquer mistério sobre quem deve e quem não deve ser salvo. Isto já está estabelecido a priori. Portanto, sim… somos barro nas mãos de Deus. E estamos totalmente à mercê de Sua graça.
— Isto significa que, de alguma forma, santo Agostinho retomou as antigas crenças no destino.
— Em parte você tem razão. Mas nem por isso santo Agostinho isenta o homem da responsabilidade por sua própria vida. Seu conselho é o de que devemos viver uma vida durante a qual possamos reconhecer que pertencemos aos escolhidos. Pois santo Agostinho não nega o livre-arbítrio. Só que Deus já “viu”, antes, como iremos viver.
— Isto não é um tanto injusto? — perguntou Sofia. — Sócrates acreditava que todas as pessoas tinham as mesmas possibilidades, pois todas possuíam a mesma razão. Mas santo Agostinho divide as pessoas em dois grupos: o primeiro será redimido, e o segundo continuará amaldiçoado.
— Sim, com a teologia de santo Agostinho nós nos afastamos um pouco do humanismo de Atenas. Mas não era Agostinho que dividia a humanidade em dois grupos. Ele se baseava na doutrina bíblica da redenção e da condenação. Em sua grande obra, A cidade de Deus, ele explica isto mais detalhadamente.
— Fale-me a respeito dela.
— A expressão “Cidade de Deus” ou “Reino de Deus” tem sua origem na Bíblia e nos ensinamentos de Jesus. Agostinho acreditava que a história do homem era a história da luta entre o “Reino de Deus” e o “Reino do Mundo”. Estes dois reinos não são dois reinos políticos nitidamente separados um do outro, mas reinos que, dentro de cada homem, aspiram ao poder. Não obstante, o Reino de Deus é mais ou menos evidente na Igreja, ao passo que o Reino do Mundo está mais ou menos presente nos fundamentos dos Estados políticos. Por exemplo, no Império Romano, que precisamente durante a época de Agostinho vivia o seu declínio. Esta noção se tornou cada vez mais clara à medida que Igreja e Estado travaram uma verdadeira batalha pelo poder durante toda a Idade Média. “Não há salvação fora da Igreja”: esta era a palavra de ordem. Aos poucos, a “Cidade de Deus” de santo Agostinho acabou se identificando com a Igreja enquanto organização. Somente durante a Reforma, no século XVI, é que se levantaram protestos contra o fato de o homem ter de percorrer o caminho da Igreja para obter a graça de Deus.
— Já não era sem tempo…
— Outra coisa a observar é o fato de Agostinho ter sido o primeiro de nossos filósofos a inserir a história em sua filosofia. A idéia de uma luta entre o bem e o mal não era absolutamente nova. O que é novo em santo Agostinho é o fato de esta luta acontecer dentro e através da história. Deste ponto de vista não há muito de Platão em santo Agostinho. Nesse aspecto ele retoma a visão linear da história, que encontramos no Antigo Testamento. Agostinho acreditava que Deus precisava de toda a história para erigir o seu “Reino”. A história é necessária para educar o homem e eliminar o mal. Nesse sentido, Agostinho diz que a Divina Providência conduz a história da humanidade de Adão até o final dos tempos, à semelhança da história de um homem que, passo a passo, caminha da infância até a velhice.
Sofia olhou para o relógio.
— Já são oito horas — disse. — Preciso ir embora.
— Antes de você ir, quero falar um pouco sobre o segundo grande filósofo da Idade Média. Vamos lá para fora da igreja?
Alberto levantou-se do banco. Uniu as palmas das mãos, como que em sinal de oração, e foi caminhando pela nave central. Ele parecia estar rezando ou então refletindo sobre verdades espirituais. Sofia o seguiu. Ela sentiu que não tinha outra escolha.
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