"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Idade Média (Parte 02/07)

Tradutores monges medievais

Sofia já tinha entendido o que Alberto queria dizer com todas aquelas referências às horas. Meia-noite era, portanto, o ano zero, uma hora o ano 100 d.C., seis horas o ano 600 d.C. e catorze horas o ano 1400 d.C. …
Alberto prosseguiu:
— Por “Idade Média” entende-se, na verdade, um período que se estende entre duas outras épocas. A expressão “Idade Média” surgiu no Renascimento. Para o homem renascentista, a Idade Média tinha sido uma única e longa “noite de mil anos”, que cobrira a Europa entre a Antigüidade e o Renascimento. Ainda hoje empregamos a expressão “medieval” em sentido pejorativo para nos referir a tudo que nos parece demasiado rígido e autoritário. Mas também houve os que considerassem a Idade Média um período de “mil anos de crescimento”. Foi na Idade Média, por exemplo, que se constituiu o sistema escolar. Já nos primórdios da Idade Média surgiram nos conventos as primeiras escolas. No século XII, as escolas das catedrais vieram se juntar às dos mosteiros. Por volta de 1200, aproximadamente, começaram a ser fundadas as primeiras universidades. Ainda hoje, os estudos das diferentes áreas do saber são divididos em diferentes “faculdades”, exatamente como na Idade Média.
— Mil anos é muito tempo…
— Sim, mas o cristianismo precisava de tempo para atingir todas as camadas da população. Durante a Idade Média surgiram também as diferentes nações, com suas cidades e fortalezas, sua música própria e suas narrativas populares. O que seria dos contos de fadas e das canções populares se não tivesse existido a Idade Média? Sim, o que seria a Europa sem a Idade Média, Sofia? Uma província romana, quem sabe? O fundo de ressonância de nomes como Noruega, Inglaterra e Alemanha está exatamente nas profundezas insondáveis do que chamamos de Idade Média. São profundezas habitadas por peixes enormes e luminosos, ainda que não possamos vê-los. Snorre foi um homem da Idade Média. E também Olavo, o Santo. E Carlos Magno. Isto para não mencionar Romeu e Julieta, os nibelungos, Branca de Neve ou os trolls das florestas norueguesas. E também para não falar de toda uma legião de príncipes imponentes, reis majestosos, cavaleiros valentes e lindas donzelas, vitralistas anônimos e geniais construtores de órgãos. E ainda nem mencionei os frades, os cruzados e as “bruxas”.
— Também não falou dos padres.
— Certo. O cristianismo só veio para a Noruega após a virada do milênio. Contudo, seria exagero afirmar que a Noruega se tornou um país cristão após a batalha de Stiklestad. Antigas crenças pagãs continuaram a viver sob a superfície do cristianismo, e muitos desses elementos pré-cristãos mesclaram-se às práticas cristãs. Nas festas natalinas norueguesas, por exemplo, práticas cristãs convivem em harmonia com hábitos dos antigos povos nórdicos. E aqui vale a regra segundo a qual, depois de muito tempo de convivência, as duas partes de um casal acabam se parecendo. Apesar disso, é preciso enfatizar que o cristianismo acabou se impondo como a visão de mundo predominante. Por isso falamos também de uma “unidade da cultura cristã”.
— Quer dizer que aquela época não foi só de trevas e de tristeza?
— Os primeiros cem anos depois de 400 d.C. foram realmente anos de declínio cultural. A era romana fora uma época de “cultura elevada”, com grandes cidades que dispunham de sistemas de esgotos, banhos e bibliotecas públicas. Isto para não falar da imponente arquitetura. Toda esta cultura entrou em declínio durante os primeiros cem anos da Idade Média. O mesmo vale para o comércio e o sistema financeiro. Na Idade Média foram reintroduzidos o comércio de trocas e a economia de bens in natura. A economia passou a ser marcada pelo chamado feudalismo. Feudalismo significa que grandes latifundiários possuíam as terras nas quais os camponeses tinham que trabalhar a fim de ganhar o seu sustento. Durante os primeiros séculos, o índice demográfico recuou sensivelmente. Na Antigüidade, Roma havia sido uma cidade de um milhão de habitantes. Já no século VII, a população da antiga capital mundial encolhera para quarenta mil habitantes, isto é, para apenas uma fração do que tinha sido. Uma população reduzida se movimentava agora por entre o que tinha restado das majestosas edificações do período áureo. E quando as pessoas precisavam de material de construção, nenhum problema: havia um número suficiente de velhas ruínas de onde elas podiam tirar o que precisavam. É claro que isto deixa irritados os arqueólogos de hoje, pois eles teriam preferido que as pessoas da Idade Média tivessem deixado em paz os antigos monumentos arquitetônicos.
— Depois que a gente faz as coisas é que percebe o que não deveria ter feito.
— Em fins do século IV, o período de Roma enquanto potência política já tinha passado. Não demorou, porém, para que o bispo de Roma se tornasse o chefe de toda a Igreja católica romana. Ele recebeu o nome de papa – ou “pai” – e passou a ser considerado o representante de Jesus na Terra. Por esta razão, durante quase toda a Idade Média Roma foi a capital da Igreja. E não havia muitos que ousavam “erguer a voz contra Roma”. Pouco a pouco, porém, os reis e príncipes dos novos Estados nacionais se tornaram tão poderosos que alguns deles reuniram coragem para se opor ao forte poder da Igreja. Um deles foi o nosso rei Sverre…
Sofia não tirava os olhos do sábio monge.
— Você disse que a Igreja havia fechado a Academia de Platão, em Atenas. Depois disso todos os filósofos gregos foram esquecidos?
— Só em parte. Algumas pessoas conheciam alguns escritos de Aristóteles, outras alguns de Platão. Mas o antigo Império Romano foi se dividindo pouco a pouco em três espaços culturais diferentes. Na Europa ocidental formou-se uma cultura cristã de língua latina, cuja capital era Roma. Na Europa oriental surgiu um núcleo cultural cristão de língua grega, cuja capital era Bizâncio. Mais tarde Constantinopla passou a se chamar Bizâncio. Por isso falamos de uma “Idade Média bizantina” em oposição a uma “Idade Média católico-romana”. Mas também o Norte da África e o Oriente Médio tinham pertencido ao Império Romano. Nestas regiões desenvolveu-se na Idade Média uma cultura muçulmana de língua árabe. Depois da morte de Maomé, em 632, o Oriente Médio e o Norte da África foram conquistados pelo Islã. Pouco tempo depois, a Espanha também foi incorporada ao círculo cultural muçulmano. Os locais sagrados do Islã, por exemplo, eram Meca, Medina, Jerusalém e Bagdá. Do ponto de vista histórico-cultural, é importante observar que os árabes também tomaram Alexandria, a antiga cidade helenística. Desta forma eles herdaram grande parte da ciência grega. Durante toda a Idade Média, os árabes foram os líderes em ciências tais como matemática, química, astronomia e medicina. Até hoje empregamos os “algarismos arábicos”, por exemplo. Em alguns campos, a cultura árabe era mesmo superior à cristã.
— Eu gostaria de saber o que aconteceu com a filosofia grega.
— Você consegue imaginar um rio que, ao chegar em determinado ponto, se divide em três outros, que depois se reencontram num grande volume de água?
— Consigo.
— Então você também consegue imaginar que a cultura greco-romana foi em parte transmitida pela cultura católico-romana no Ocidente, em parte pela cultura romano-oriental e em parte pela cultura árabe no sul. Se quisermos simplificar bastante as coisas, podemos dizer que o neoplatonismo sobreviveu no Ocidente, Platão no Oriente e Aristóteles no Sul, entre os árabes. O mais importante é que esses três “rios” voltam a se encontrar numa única corrente no Norte da Itália, no final da Idade Média. Os árabes na Espanha contribuíram com influências árabes; a Grécia e Bizâncio, com influências gregas. E começou, então, o Renascimento, isto é, o ressurgimento da antiga cultura. De certa forma, a cultura da Antigüidade conseguiu sobreviver a toda a Idade Média.
— Entendo…
— Mas não vamos antecipar os acontecimentos. Primeiro vamos falar um pouco sobre a filosofia da Idade Média. E não vou mais ficar conversando com você aqui do púlpito. Vou descer até aí.

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