"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Dois círculos culturais (Parte 02/08)


OS INDO-EUROPEUS - (Páginas 167-169.)

Chamamos de indo-europeus todos os países e culturas nos quais são faladas as línguas indo-européias. A elas pertencem todas as línguas européias, à exceção das línguas fino-úgricas (o lapão, o finlandês, o estoniano e o húngaro), além da língua falada nos Países Bascos. A maioria das línguas indianas e iranianas também pertence à mesma família das línguas indo-européias.
Os indo-europeus primitivos viveram há mais ou menos quatro mil anos, provavelmente nas proximidades do mar Negro e do mar Cáspio. Dali, saíram em grandes levas para o sudeste – rumo ao Irã e à Índia -; para o sudoeste – Grécia, Itália e Espanha -; para o oeste, atravessando a Europa central até a Inglaterra e a França; para noroeste, rumo à Escandinávia; e para o norte, rumo ao Leste Europeu e à Rússia. Por toda a parte, os indo-europeus mesclaram-se às culturas pré-indo-européias, sendo que a religião e a língua dos indo-europeus foi o elemento que acabou predominando nesta fusão.
Tanto os antigos livros sagrados da Índia, os Vedas, quanto os escritos da filosofia grega e mesmo a mitologia de Snorre Sturlas-son foram escritas em línguas de uma mesma família. Mas não são apenas as línguas que se parecem. Às línguas aparentadas pertencem também pensamentos aparentados. Por esta razão é que em geral falamos de um círculo cultural indo-europeu.
A cultura dos indo-europeus era marcada sobretudo pela crença em muitos e diferentes deuses. Chamamos a isto de politeísmo. Em toda esta extensa área de influência indo-européia encontramos nomes de deuses e diferentes termos e expressões religiosos. Vou citar alguns exemplos:
Os antigos indianos adoravam o deus celestial Dyaus. Em grego este deus se chama Zeus; em latim, Júpiter (na verdade iov-pater, ou seja, “Pai Celestial”); e em norueguês antigo, Tyr. Os nomes Dyaus, Zeus, Iov e Tyr são, portanto, variantes da mesma palavra.
Talvez você saiba que os viquingues, no Norte da Europa, adoravam deuses que chamavam de asen. Em toda a área de influência indo-européia também encontramos uma palavra para designar “deuses”. Em sânscrito, os deuses se chamam asura; em iraniano, ahura. Outra palavra para deus em sânscrito é deva; em iraniano, daeva; em latim, deus; e em norueguês antigo, tivurr.
Também podemos constatar uma nítida afinidade entre alguns mitos em todo este círculo indo-europeu. Quando Snorre conta sobre os antigos deuses nórdicos, alguns mitos lembram mitos indianos que já haviam sido contados dois ou três mil anos antes. É claro que os mitos de Snorre são marcados pelo cenário natural nórdico, enquanto os indianos se desenvolvem sob o pano de fundo da natureza da Índia. Mas muitos desses mitos possuem um núcleo que aponta para uma origem comum. Um desses núcleos pode ser constatado de forma evidente nos mitos das poções da imortalidade e na luta dos deuses contra os monstros do caos.
Mas também nas formas de pensar podemos ver claras ligações entre as culturas indo-européias. Um ponto comum típico é o fato de elas conceberem o mundo como um imenso palco, no qual se desenrola o drama da luta incessante entre as forças do bem e do mal. Por esta razão, os indo-europeus sempre tentaram “predizer” o que iria acontecer com o mundo.
Podemos muito bem dizer que não é por acaso que a filosofia grega surgiu exatamente neste espaço cultural indo-europeu. As mitologias grega, indiana e nórdica apresentam princípios claros de um tipo de observação filosófica, ou “especulativa”, do mundo.
Os indo-europeus tentavam “entender” o desenrolar da história do mundo. Prova disto é que podemos encontrar em todo o espaço cultural indo-europeu uma palavra determinada que, em cada cultura, significa “compreensão” e “conhecimento”. Em sânscrito esta palavra é vidya, palavra idêntica à palavra grega ide, que – como você já sabe – foi de grande importância para a filosofia de Platão. Do latim conhecemos a palavra video, que para os romanos significava simplesmente “ver”. (Somente nos nossos dias é que o verbo “ver” foi quase equiparado ao ato de grudar os olhos na tela da televisão.) No inglês temos palavras como wise e wisdom (“sabedoria”); em alemão, Weise (“sábio”) e Wissen (“saber”, “conhecimento”). Em norueguês temos a palavra viten. A palavra norueguesa viten tem, portanto, a mesma raiz da palavra indiana vidya, da grega ide e da latina video.
De um modo muito geral, podemos dizer que a visão era o principal sentido para os indo-europeus. Entre os indianos e gregos, iranianos e germânicos, a literatura era marcada por grandes visões cósmicas. (E aqui aparece de novo a palavra “visão”, que vem do verbo latino video.) Além disso, eram comuns nas culturas indo-européias as representações dos deuses e das passagens descritas nos mitos em quadros e esculturas.
Por fim, os indo-europeus tinham uma visão cíclica da história. Isto significa que, para eles, a história se desenrolava “em círculos”, da mesma forma como temos a alternância das estações do ano. Não há, portanto, um verdadeiro começo para a história, assim como também não haverá um fim. O que encontramos freqüentemente são referências a mundos que surgem e desaparecem, numa alternância infinita entre nascimento e morte.
As duas grandes religiões orientais – o hinduísmo e o budismo – são de origem indo-européia. O mesmo vale para a filosofia grega. Por esta razão, podemos ver muitos e evidentes paralelos entre o hinduísmo e o budismo, de um lado, e a filosofia grega, de outro. Ainda hoje o hinduísmo e o budismo são fortemente marcados pela reflexão filosófica.
Não raro se enfatiza no hinduísmo e no budismo o fato de que o elemento divino está presente em tudo (panteísmo) e de que o homem pode chegar a uma unidade com Deus por meio do conhecimento religioso. (Você ainda se lembra de Plotino, Sofia?) Na maioria das vezes, a condição para isto é a meditação, ou um profundo mergulho dentro de si mesmo. No Oriente, portanto, a passividade e a vida reclusa são vistas como ideais religiosos. Também em solo grego muitas pessoas diziam que o homem tinha que viver uma vida ascética – quer dizer, em reclusão religiosa -, se quisesse obter a redenção de sua alma. Alguns componentes da vida nos conventos da Idade Média têm suas origens em tais concepções do mundo greco-romano.
Em muitas culturas indo-européias a crença na metempsicose, ou transmigração da alma, era muito importante. Por exemplo, no hinduísmo, o objetivo de cada devoto é o de um dia conseguir libertar sua alma desse processo de transmigração. E nós já sabemos que Platão também acreditava na transmigração da alma.

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