"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Dois círculos culturais (Parte 03/08)


OS SEMITAS - (Páginas 170-172.)

Passemos agora aos semitas, Sofia. Vamos falar de um círculo cultural completamente diferente, com uma língua completamente diferente também. Os primeiros semitas são originários da península da Arábia, mas o círculo cultural semita também se expandiu para extensas e diferentes partes do mundo. Há mais de dois mil anos, os judeus vivem bem longe de sua pátria natal. Foi o cristianismo que levou a história e a religião semitas para mais longe de suas raízes, se bem que a cultura semita também foi transportada para todo o mundo pela expansão do Islã.
As três religiões ocidentais – o judaísmo, o cristianismo e o islamismo – têm um pano de fundo semita. O Corão, o livro sagrado do Islã, e o Antigo Testamento foram escritos em línguas semitas aparentadas. Uma das palavras do Antigo Testamento para “deus” tem, por isso, a mesma raiz lingüística de Allah (Alá), dos muçulmanos (a palavra allah significa pura e simplesmente “deus”).
No cristianismo o quadro se complica. É claro que também o cristianismo tem um pano de fundo semita, mas o Novo Testamento foi escrito em grego e quando a doutrina ou teologia cristã foi reformulada, ela foi marcada pelas línguas gregas e latinas e, com isto, também foi influenciada pela filosofia helenística.
Vimos que os indo-europeus acreditavam em muitos deuses. O que nos espanta no caso dos semitas é que desde muito cedo eles já acreditavam num único Deus. Chamamos isto de monoteísmo. No judaísmo, no cristianismo e no islamismo, o princípio fundamental é o de que existe apenas um Deus.
Outro traço comum semita é a sua visão linear da história. Queremos com isto dizer que a história é vista como uma linha: no passado, Deus criou o mundo e com isto começou a história. Um dia, porém, a história vai acabar e isto vai acontecer no dia do Juízo Final, quando Deus julgará os vivos e os mortos.
Um traço importante das três grandes religiões ocidentais é precisamente o papel da história. Acredita-se que Deus intervém na história, ou melhor, que a história existe para que Deus possa fazer valer sua vontade no mundo. Assim como um dia Ele conduziu Abraão à Terra Prometida, do mesmo modo irá conduzir a vida dos homens através da história até o Juízo Final. E então todo o mal será eliminado do mundo.
A forte ênfase na ação de Deus sobre a história teve como decorrência o fato de os semitas virem se ocupando da escritura da história há muitos milhares de anos. E são precisamente as raízes históricas que constituem o núcleo de seus escritos religiosos.
Ainda hoje a cidade de Jerusalém é um importante centro religioso para judeus, cristãos e muçulmanos. E isto também diz alguma coisa sobre o pano de fundo comum dessas três religiões. Em Jerusalém existem importantes sinagogas (judaicas), igrejas (cristãs) e mesquitas (muçulmanas). Por isso é tão trágico que justamente Jerusalém tenha se transformado num pomo de discórdia, em que pessoas se matam umas às outras aos milhares porque não conseguem entrar num acordo sobre quem deve ter o domínio da “cidade eterna”. Tomara que um dia a ONU consiga que Jerusalém se transforme num ponto de encontro das três religiões! (…)
Vimos que, para os indo-europeus, o mais importante dos sentidos era a visão. Igualmente interessante é saber que para o mundo semita a audição desempenhava um papel preponderante. Não é por acaso que a profissão de fé judaica começa com a frase: “Ouve, Israel!”. No Antigo Testamento lemos que as pessoas “ouviam” as palavras do Senhor e os profetas judeus gostavam de começar suas pregações com a fórmula “Assim falou Jeová” (Deus). Sobretudo, porém, os cultos religiosos judaicos, cristãos e muçulmanos são marcados pela leitura em voz alta das escrituras sagradas.
Eu também mencionei que os indo-europeus faziam quadros e esculturas de seus deuses. Para os semitas é igualmente característico o fato de eles respeitarem certa proibição pela representação pictórica. Isto significa que eles não podiam criar imagens ou esculturas de Deus e de tudo o que é sagrado. No Antigo Testamento está escrito que os homens não devem fabricar para si imagens de Deus. Esta norma é válida até hoje para o islamismo e o judaísmo. No Islã ainda impera uma aversão geral pela fotografia e pelas artes plásticas, pois as pessoas não devem querer competir com Deus na “criação” de alguma coisa.
Mas você deve estar pensando agora nas igrejas cristãs apinhadas de imagens de Deus e de Jesus. Você está certa, Sofia, e este é um exemplo de como o cristianismo foi influenciado pelo mundo greco-romano. (Na Igreja ortodoxa – quer dizer, na Grécia e na Rússia -, as imagens entalhadas, ou seja, esculturas e crucifixos com cenas de histórias da Bíblia, são proibidos até hoje.)
Contrariamente às grandes religiões orientais, as três religiões ocidentais enfatizam o abismo que existe entre Deus e sua criação. O objetivo não é redimir a alma do processo de transmigração, e sim a redenção dos pecados e da culpa. Além disso, a vida religiosa é mais marcada pela oração, pelo sermão e pela leitura da Bíblia do que pela meditação e pelo mergulho em si mesmo.

0 Response to "Dois círculos culturais (Parte 03/08)"