A Democracia em Questão (Parte 09/14)
Feuerbach e o Conceito de Alienação
A grande contribuição de Feuerbach à filosofia política, e particularmente a Marx, foi a sua teoria da alienação, construída a partir de uma crítica à religião cristã. Para compreender melhor esta questão, é importante que algumas passagens de sua obra sejam apresentadas e analisadas.
A Essência do Cristianismo é uma crítica consistente, mas que não se pretende e não se constitui como uma desautorização da idéia do sagrado. Ao contrário, a estratégia feuerbachiana foi potencializar a idéia do sagrado e do religioso, com o objetivo de promover a substituição de Deus pelo homem, o que pode ser considerada uma tentativa extremamente ousada para a Alemanha protestante do século XIX.
Segundo Feuerbach o verdadeiro fundamento do homem é apenas ele mesmo. Assim, o único fundamento absoluto de todo o pensamento humano é o homem como razão, como vontade, como coração. Neste sentido, ele argumenta que Deus é o homem que alienou a sua consciência e, portanto, a superação dessa condição de dominação tem como pressuposto a tomada de consciência da sua própria condição humana.
O processo de alienação do homem é explicado por Feuerbach através de uma dialética da alienação. Na concepção feuerbachiana, o homem, ainda que através de modestas reflexões, é capaz de reconhecer em si mesmo a razão, a vontade e o coração e, mesmo reconhecendo sua incapacidade de ser perfeito nestas faculdades, sabe bem o que significam a perfeição da razão, da vontade e do coração, ao menos em termos de potencialidade. Nas palavras de Feuerbach, “a essência divina, pura, perfeita, sem defeitos é a consciência de si do entendimento, a consciência que o entendimento tem da sua própria perfeição.” (FEUERBACH, A essência do Cristianismo. p.42)
Não podendo atingir a perfeição absoluta, mas desejando-a profundamente, o homem cria a representação da perfeição em um ser Absoluto Deus, que passa a ser potencialmente a única possibilidade de realização
dos seus sonhos de perfeição inatingíveis. Para Feuerbach, “o pensamento do ser absolutamente perfeito deixa o homem frio e vazio, porque ele sente e apercebe-se do fosso entre si e esse ser, isto é, contradiz o coração humano.”(Ibid. p. 49) A essência e o potencial humanos − sua razão, sua vontade e seu coração − passam a ser domínios de um imaginário divinizado e exterior ao homem.
Enfraquecido o homem, a religião se constitui num meio, através do qual ele pode projetar a realização dos seus sonhos de liberdade na totalidade absoluta de Deus. Como diz Feuerbach, “na religião, o homem quer satisfazer-se em Deus.”(Ibid.,45) No entanto, o preço dessa conquista se revela na cisão entre o homem e a sua consciência de si, a alienação da sua essência humana.
Para Feuerbach o Deus do cristianismo, do qual o homem é servidor, tem sua origem na própria consciência humana. A essência de Deus é, portanto, o próprio homem. Logo, se Deus é a divindade e a essência da liberdade absoluta, só o é porque o homem também é divino e livre, ou porque pretende sê-lo. Na medida em que a liberdade e a perfeição são valores humanos e as esperanças depositadas na religião não se traduzem em conquistas concretas na direção desses objetivos, a decepção afasta o homem da crença religiosa e abre espaço para outras possibilidades, como a vida política.
Ludwig Feuerbach (1804-1872) – Filósofo alemão, pertenceu ao grupo dos hegelianos de esquerda. Influenciou o pensamento de Marx, sobretudo com seu conceito de alienação. Escreveu, dentre outras obras: Princípios da Filosofia do Futuro; A essência do cristianismo.
0 Response to "A Democracia em Questão (Parte 09/14)"
Postar um comentário