"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A Democracia em Questão (Parte 10/14)


Alienação e Crítica ao Estado de Direito Burguês no Jovem Marx

O trabalho alienado faz parte de um processo de dominação imposto aos sujeitos, indivíduos, que passam a ser tratados apenas como meios para a realização alheia e não como fins em si, são tratados como instrumentos e não como pessoas e, por fim, são desapropriados da sua produção.

A objeção de Marx ao Estado de direito burguês, a um certo republicanismo formalista, parte da sua conclusão de que a sociedade civil não pode sustentar-se num Estado que se estrutura na alienação ou que apenas reivindica a idéia de liberdade, mas sem interesse ou condições de efetivá-la. E, se há interesse na constituição de um universal de emancipação e liberdade, ele se dissolve nos particularismos do modo de produção capitalista. Por isso, a realização da liberdade, para além do formalismo jurídico, só pode realizar-se se a esfera de produção estiver sujeita ao controle daqueles que produzem. Esse seria, segundo Marx, o primeiro passo para a conquista da emancipação.

Um ser só se considera primeiramente como independente tão logo se sustente sobre os próprios pés, e só se sustenta primeiramente sobre os próprios pés tão logo deva sua existência a si mesmo. Um homem que vive dos favores de outro se considera como um ser dependente. Mas eu vivo completamente dos favores de outro quando lhes devo não apenas a manutenção da minha vida, mas quando ele, além disso, ainda criou a minha vida; quando ele é a fonte da minha vida, e minha vida tem necessariamente um tal fundamento fora de si quando ela não é minha própria criação. A criação é, portanto, uma representação (Vorstellung) muito difícil de ser eliminada da consciência do povo. O ser-por-si-mesmo (Durchsichselbstsein) da natureza e do homem é inconcebível para ele porque contradiz todas as probabilidades da vida prática. (MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. p.113)

Nesse sentido, Marx só concebe a possibilidade da existência de uma ética a partir da superação do individualismo egoísta e possessivo, a partir da superação da dicotomia entre indivíduo (burguês) e o cidadão que permite ora a dominação das forças egoístas da sociedade civil que isolam o indivíduo da sua essência comunitária, ora a dominação de uma entidade abstrata – o Estado -, desvinculada da vida real dos homens. Em ambas situações, ocorre a negação da liberdade no sentido republicano. Portanto, a política marxiana pressupõe a existência efetiva da res publica.

Nos jogos de dominação, busca-se confundir o desenvolvimento de um pensamento político e de uma ação cidadã, que devem ser constituídos a partir de mediações questionadoras e valores éticos, com a simples retórica vazia, ou com a mera assimilação e reprodução de uma competência discursiva, supostamente democrática, mas cujo objetivo é tão somente a dominação e, portanto, a supressão das liberdades.

Para alguns autores, o problema de Marx é a desconsideração do papel do Estado como um meio de constituição e promoção da liberdade. Mas, será que Marx, definitivamente, desconsidera o papel do Estado, ou estaria ele deslocando o eixo do político para além dos limites do Estado formal – pensando na politização da sociedade civil, exercendo a soberania do Estado, para então constituir um Estado verdadeiramente democrático?

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