A universalidade do gosto (Parte 06/14)
Essa diversidade de gostos é mais evidente, segundo Hume, na realidade, no plano individual e particular do que no plano das aparências, dos discursos sobre assuntos mais amplos. No terreno da moral, por exemplo, dificilmente alguém discordaria de que “...a justiça, o humanitarismo, a prudência e a veracidade...” (HUME, 1997, p. 56) não fossem dignas de aplausos, e que as idéias contrárias a elas sejam dignas de reprovação. Essa unanimidade seria fruto da razão, que fundamenta a moral, ou dos sentimentos que movem as ações humanas? Segundo Hume, esse acordo é muito mais fruto da linguagem: as próprias palavras trazem de seu idioma o sentido de reprovação ou aprovação: “As pessoas que inventaram a palavra caridade, e a usaram de maneira muito mais clara e muito mais eficaz para inculcar o preceito sê caridoso do que qualquer pretenso legislador ou profeta que incluísse essa máxima em seus escritos” (Idem, p. 57). O problema de se conseguir uma unanimidade na ética esbarra na questão da linguagem, na medida em que os termos são usados de maneiras diferentes, em idiomas diferentes. Da mesma forma na questão dos juízos de gosto. Algumas obras de arte são reconhecidas como belas apenas por uma questão de costume, de valor culturalmente atribuídos, mas que não garantem a sua real beleza, e por isso, uma unanimidade de juízos estéticos. Contrariamente à dificuldade de encontrarmos um padrão único, Hume reconhece que é natural procuramos um padrão, “...uma regra capaz de conciliar as diversas opiniões dos homens...” (Ibidem). Embora esse padrão esteja no horizonte do provável, ele não é possível, para Hume. Primeiramente porque o sentimento que temos em relação a uma obra é diferente do julgamento que proferimos dela. O sentimento é sempre do indivíduo, não tem referência a nada diferente dele. Quando digo que gosto disso ou daquilo, o gosto é meu, não posso tomar como referência o sentimento ou a idéia de outra pessoa para demonstrá-lo. “O sentimento está sempre certo – porque o sentimento não tem outro referente senão ele mesmo, e é sempre real, quando alguém tem consciência dele”, afirma Hume (Idem, p. 57-58).
Com o entendimento ocorre o inverso. Ele sempre precisa de uma referência, de algo em particular, concreto, a que ele se destine. Podemos ter opiniões diferentes sobre um mesmo objeto, mas uma apenas será a verdadeira. Mas posso ter uma infinidade de sentimentos sobre o mesmo objeto e todos serem corretos pois “...nenhum sentimento representa o que realmente está no objeto” (Idem, p. 58). O sentimento assinala apenas uma conformidade entre o objeto e as faculdades do espírito, e essas estão no indivíduo. Por isso a beleza, segundo Hume, “...não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que as contempla, e cada espírito percebe uma beleza diferente” (Ibidem).
Pietá, de 1499. Escultura em mármore. Michelangelo. Diz-se que é impossível não se emocionar diante dessa escultura, que se encontra no Vaticano. A força expressiva, os detalhes, dão a impressão de que, realmente, há vida, há movimento e a emoção parece brotar da pedra. Essa comoção, diante de uma obra de arte, aconteceria com qualquer pessoa, em qualquer circunstância, ou isso vale apenas para determinadas culturas ou situações específicas? Um índio americano ou um oriental sentiriam a mesma coisa que um europeu diante dessa obra?
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