O cinema e uma nova percepção (Parte 09/09)
Paul Valéry (1871-1945)
Estética da atração
É certo que o cinema, diante das exigências do mercado em vista do consumo, acabou por produzir obras voltadas para a grande massa. E o que essa grande população consumidora do filme quer? Ação, violência, cenas chocantes, romances arrebatadores, lágrimas, susto, horror, enfim, cenas que revelem a vida com toda a sua força e dramaticidade. Esse espetáculo ou “cinema de atrações”, como denomina Tom Gunning em seu texto O Cinema das origens e o Espectador (in)Crédulo, se desenvolveu sobre esse jogo de ilusão e realidade, de medo e suspense, do impacto, que causa um prazer escópico, uma excitação no limite do terror. O cinema de atração, de show e espetáculo mantém o espectador atento “(...) enfatizando o ato da exibição. Satisfazendo essa curiosidade, ele distribui uma dose geralmente breve de prazer escópico.” (GUNNING, 1995, p. 54)
Obviamente que, com esses filmes explosivos, a experiência estética, vista do ponto de vista tradicional, de contemplação do belo, fica prejudicada. Mas não quer dizer que a arte tenha acabado por conta disso. A arte assumiu novas formas, e o cinema, vinculando as várias formas de expressão (imagem, som, palavra), gera também uma nova linguagem. Essa nova linguagem que o cinema desperta não ficou restrita somente às telas, mas trouxe repercussões também nas outras formas de expressão artísticas que, ampliaram não somente suas técnicas de elaboração, mas a diversidade de visões da realidade. O homem é um ser curioso e sempre disposto à novidade. Esse desejo de novidade se desenvolveu muito mais a partir do crescimento das cidades, do desenvolvimento das indústrias e do mercado de consumo. Sempre se está querendo algo novo para comprar e, quanto mais forte, mais impressionante, diferente, esquisito, mais chama a atenção, mais incita e desperta a curiosidade, logo, se vende mais.
As aberrações a que se assiste, as explosões impressionantes, aquela forte história de amor, o despreendimento do mocinho, os atos de coragem e bravura do herói, tudo isso faz o público experimentar uma vida, numa dimensão imaginária, claro, mais dinâmica do que a simples rotina diária de trabalhar-produzir-reproduzir-consumir. Essa estética das atrações, ao mostrar cenas de lugares diferentes e paradisíacos expressa o desejo de consumirmos o mundo pelas imagens. O prazer de gritar diante da locomotiva que se aproxima, de um carro que explode ou de um estrangulador em frente à sua vítima indica “(...) um espectador cuja experiência cotidiana perdeu a coerência e a imediatez tradicionalmente atribuídas á realidade: é esta ausência de experiência que cria o consumidor faminto de emoções” (Idem, p. 58)
Paul Valéry, filósofo, escritor e poeta francês (1871-1945) no início do texto A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, escrito em 1935 por Walter Benjamin, faz uma observação que pode ser útil na reflexão sobre a relação entre desenvolvimento tecnológico, arte e a maneira como vemos a realidade.
Segundo Valéry as transformações da era da técnica, além de modificarem a produção e a invenção da arte, modificaram o acesso cotidiano às informações, sons e imagens do mundo: os lares são alimentados diariamente, sem muito o nosso esforço ou controle, com o gás, a água, a energia e, principalmente, com imagens visuais e auditivas.
O homem moderno é fragmentado, isto é, não consegue viver plenamente todas as suas dimensões e fica reduzido a pequenos prazeres, geralmente associados ao consumo, que nunca o satisfazem ou preenchem o sentido de sua existência. O choque, causado pela força das imagens, mostra, pelo contraste, a pequenez e insignificância da vida moderna. Mas, ao mesmo tempo, é uma espécie de denúncia, e de convite ao corpo para manifestar-se, para sentir-se. É um grito de reconhecimento do corpo. “A experiência de impacto torna-se um choque de reconhecimento.” (Idem, p. 59).
O mundo que se descortina num filme é algo que se vislumbra, que se deseja ou se repele, mas que diz sobre o homem. Dispõe-se a entrar no jogo da ilusão a que o filme propõe mantendo uma distância consciente daquilo que se passa na tela. Não se confunde totalmente a realidade com a fantasia. Mas por um momento se deixa, conscientemente, entrar no jogo ilusório das imagens, dos sons, do roteiro. Essa distância abre espaço para o inconsciente aflorar e, então, desejos e sonhos parecem encontrar sua visibilidade.
Arte incita, excita e faz emergir a criatividade e a imaginação. Mesmo que tudo isso se reduza à diversão, com valor apenas de consumo e, desse modo, reduza também seu potencial mágico e expressivo, a arte sempre está em via de subverter qualquer ordem e padrão. Nela o homem vê-se, lê-se, analisa-se, espelha-se, projeta-se, pensa-se, enfim, nela o homem expressa-se, por ela o homem cria e se recria, elabora novos modos de expressão, a partir de novas percepções que se desenvolve. Dessa forma o ser humano recria novos espaços e novos mundos, nos quais e aos quais pode debruçar-se em sua contemplação.
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