A universalidade do gosto (Parte 10/14)
Manet, Edouard. Pequeno almoço na relva.
Esse juízo de beleza, além de ser desinteressado, não é representado por um conceito (racional, intelectual). “O belo é o que apraz universalmente sem conceito” (Idem, p. 104), afirma Kant. Como esse sentimento não está atrelado a um juízo de conhecimento ele também não tem conceito que o expresse. O juízo de gosto, oriundo de sentimento do belo não pode sofrer as pressões da sistematização e teorização da razão. Elas deturpam e nos fazem desviar do prazer, que é próprio da sensibilidade, e não da inteligência. Essa unanimidade do juízo de gosto não está, portanto, num acordo de pensamento ou num debate teórico sobre a beleza, mas por um juízo de gosto, isto é, pelo sentimento que, ao se dar, pode se intuir que qualquer outro o teria da mesma forma. O sentimento estético é como comum a todos, pode ser compartilhado e comungado com humanidade. Deve ser oriundo de um prazer sensível, desinteressado e sem conceito racional que lhe sirva de explicação.
Essa universalidade não é fruto, portanto, do pensamento. Ela é sentida. Ela não está na lógica, onde todos teriam ou poderiam chegar ao consenso através de longas exposições ou demonstrações argumentativas, mas na intuição de que o mesmo sentimento que tenho diante de uma obra, qualquer outro também o teria. Essa universalidade está na subjetividade, porém, sem cair em qualquer subjetivismo, isto é, essa subjetividade não se reduz aos gostos individuais, particulares, mas a um sentimento que, quando acontece, pressupõe-se que todos teriam.
O belo não está, portanto, nos objetos, como uma característica que lhes seria própria, nem puramente no sujeito, sem que ele precisasse do mundo. O sentimento se dá na relação sujeito e objeto. Um objeto que não pode ser pensado separadamente do sujeito. Sujeito que precisa deixar gradativamente os seus interesses e gostos pessoais, para estar aberto ao sentimento do belo. Por isso o juízo estético não se definha num subjetivismo exacerbado. O sujeito deve estar distante de suas afinidades pessoais. Um sujeito, portanto, ilustrado, sensível, sofisticado e refinado que sente, diante das formas peculiares presentes no objeto, um belo universal. Um acordo harmonioso entre o pensamento e o sentimento diante do objeto em suas determinadas formas.
Para Kant as condições de universalidade do sentimento do belo se dão na sua complacência (prazer que se sente junto, comum) necessária, isto é, uma satisfação desinteressada e que agrada os sentidos. Kant afirma sobre a complacência:
“Pois, visto que não se funda sobre qualquer inclinação do sujeito (nem sobre qualquer outro interesse deliberado), mas, visto que o julgante sente-se inteiramente livre com respeito à complacência que ele dedica ao objeto; assim, ele não pode descobrir nenhuma condição privada como fundamento da complacência à qual, unicamente, seu sujeito se afeiçoasse, e por isso tem que considerá-lo como fundado naquilo que ele também pode pressupor em todo outro; conseqüentemente, ele tem de crer que possui razão para pretender de qualquer um uma complacência semelhante.” (Idem, p. 98)
Não é pela via da razão, portanto, que há a concordância entre sujeitos no sentimento do prazer, mas pela pressuposição de “...uma tal voz universal...” (Idem, p. 102), ou seja, de que o outro também teria o mesmo sentimento. Não é um consenso entre idéias, mas um sentimento comum.
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