A Democracia em Questão (Parte 12/14)
Republicanismo e a Liberdade antes do Liberalismo
O republicanismo é uma corrente bem mais antiga que o liberalismo, e tem a sua origem na Roma antiga, ligada fundamentalmente ao nome de Cícero (106-43 a.C.), autor de Da República. Mais tarde, passada toda a Idade Média, ele ressurge na Itália renascentista e seu mais destacado nome é Maquiavel (1469-1527), que escreveu dentre outras obras, o famoso Príncipe e Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio e cujo pensamento e trabalho teve grande influência na constituição das repúblicas do norte da Itália. Pode-se dizer que o republicanismo dominou a cena política européia até o século XVIII, quando surgiu o liberalismo com a promessa de estar mais bem adaptado às características e necessidades do mundo moderno.
As principais características do republicanismo estão ligadas à própria definição da res publica − o regime da coisa pública, do bem público que se sobrepõe aos interesses privados: é o regime da abnegação cívica; da racionalidade que prevalece sobre os desejos e afetos, da virtude que controla a fortuna, da ética na política, do combate incessante à corrupção; é o regime onde todos − governantes e governados − estão submetidos às leis que eles mesmos criaram ou de alguma forma participaram; são essas leis que garantem a liberdade, porque limitam poderes; por fim, por se tratar de um regime da intensa participação dos cidadãos, requer uma educação laica, intensiva e extensiva.
Republicanismo: Liberdade como Não-Dominação
Não se trata de abandonar a idéia de liberdade individual, uma conquista fundamental da modernidade, mas de democratizá-la e, para isso, é preciso incorporá-la a um projeto político que a viabilize e a estenda à totalidade da sociedade pela prática do princípio democrático (e republicano) do auto-governo. O republicanismo é uma alternativa concreta de superação dos limites e contradições do liberalismo, através do resgate da importância da participação das pessoas na vida política como garantia da liberdade como não-dominação.
Quem ama a verdadeira liberdade do indivíduo não pode não ser um liberal, mas não pode ser apenas um liberal. Deve também estar disposto a apoiar programas políticos que tenham por finalidade reduzir os poderes arbitrários que impõem a muitos homens e mulheres uma vida em condição de dependência. (BOBBIO; VIROLI, 2002. p.34)
A afirmação de Maurizio Viroli parece-nos bastante oportuna, porque insinua potencialidades, mas também limites, dificuldades e contradições que se impõem às pretensões da tradição do liberalismo em se estabelecer como fundamento teórico hegemônico de um estado democrático.
Philip Pettit define a liberdade como uma situação de não-dominação, ou seja, uma forma de liberdade que impede que um indivíduo possa estar apto a interferir arbitrariamente, com base em sua vontade pessoal, nas escolhas de outra pessoa livre. Essa idéia se refere à ausência de dependência da vontade arbitrária de outros indivíduos e não a uma independência face às leis do Estado. A idéia de não-dominação é, segundo o autor, a que melhor expressa o ideal republicano de liberdade.
Para Viroli, “a independência e a autonomia caminham sempre juntas: a pessoa que vive em condição de independência jurídica (não é escrava ou serva); política (não é súdita de um soberano absolutista ou de um déspota); social (não deve seu sustento ou bem-estar aos outros) é, com freqüência, uma pessoa autônoma”.(BOBBIO;VIROLI. 2002. p.38)
Ao definir a sua idéia de não-dominação como um ideal político de liberdade, Pettit apresenta três vantagens sobre a idéia de liberdade (negativa) como não interferência, ou a liberdade dos liberais. A primeira é que a não-dominação promove a ausência de insegurança. A segunda é a ausência da necessidade de submeter-se, ainda que estrategicamente, à opinião dos poderosos. A terceira vantagem diz respeito à ausência da necessidade de uma subordinação social.
Pettit apresenta um exemplo interessante para contrapor as idéias de liberdade como não-interferência (modelo liberal) e liberdade como não-dominação (republicana):
Imaginemos a possibilidade de escolher entre deixar empregadores com muito poder sobre empregados, ou os homens com muito poder sobre as mulheres, ou utilizar a interferência do Estado para reduzir tais poderes. Se maximizarmos a idéia de liberdade como não-interferência, ela será compatível com os dois primeiros casos. (PETTIT, 1997. p.273)
A realização da liberdade como não-dominação exige algo que já é bem conhecido da tradição política do republicanismo – o envolvimento mútuo, a interação intencional. Pettit não utiliza o termo fundação da esfera pública, mas poderíamos dizer que é disso que ele está falando, da construção de um projeto comum. Ele se refere à liberdade como não-dominação enquanto um bem comunitário. “Para querer a liberdade republicana, você tem que querer a igualdade republicana; para efetivar a liberdade republicana, você tem que efetivar a comunidade republicana”. (PETTIT, 1997. p. 126)
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