"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A universalidade do gosto (Parte 07/14)

A virgem dos rochedos (1506-1508), óleo sobre madeira de Leonardo da Vinci.
Galeria Nacional, Londres.

O Juízo de Gosto na Arte

Hume busca, nas obras de arte, a possibilidade de encontrar uma padronização de gosto. Mas observe que não é uma padronização no sentido de obrigação de gostar de determinadas obras. É uma padronização no sentido da possibilidade de julgarmos da mesma maneira, a partir de experiências individuais. A arte parece lidar com sentimentos mais comuns e gerais do ser humano. Parece que há ainda uma saída, embora que parcial, para a possibilidade da universalização do gosto. Existem obras de arte que agradam quase que universalmente ou, pelo menos, atravessam gerações e são consideradas belas entre diferentes nações inclusive, como as poesias de Homero, por exemplo. Mas esse agrado geral não é fruto de uma propriedade intrínseca da obra, ou por ela estar alinhada com alguma teoria ou regra de arte ensinada nas academias. É sim resultado de um consenso, de um agrado maior, que satisfez mais do que a censura poderia condenar ou que os próprios defeitos da obra podiam evitar. Muito embora cada arte tenha suas próprias regras, e os críticos fazem seu julgamento de acordo com esse padrão, o gosto por determinada obra não se prende à exatidão das teorias a seu respeito, mas ao agrado e à satisfação que produzem no público.

Parece que as artes, em suas regras gerais, isto é, nas suas características específicas e próprias que as diferenciam de outras atividades humanas, como a ciência, por exemplo, apontam para “...sentimentos comuns da natureza humana...” (Idem, p. 60), ou seja, aquilo que qualquer ser humano poderia sentir diante de tal objeto. Ainda assim, Hume afirma “...não devemos supor que, em todos os casos, os homens sintam de maneira conforme essas regras” (Ibidem).

Hume, porém, reconhece que o ser humano possui uma tendência comum, geral, de sutileza, delicadeza e fineza: “(...) a delicadeza de gosto pelo espírito ou pela beleza será sempre uma qualidade desejável, porque é a fonte de todos os mais finos e inocentes prazeres de que é suscetível a natureza humana” (Ibidem). Podemos experimentar essa tendência geral, segundo Hume, na ordem da fantasia e da imaginação, em situações especiais de “... perfeita serenidade de espírito, concentração do pensamento, a devida atenção ao objeto...” (Ibidem) Podemos, ainda, aprimorar os gostos, refiná-los pela “...prática de uma das artes e o freqüente exame e contemplação de uma espécie determinada de beleza”. (Idem, p. 64) Além disso, o exercício de comparação entre os graus de excelência de uma obra, o livrar-se dos preconceitos e o bom senso, podem nos orientar para um aprimoramento da percepção da beleza. Será que, por esse caminho, pode-se encontrar uma saída para que se possa julgar universalmente a beleza?

Entretanto, ainda que se ajustem os discursos e generalizações sobre determinadas obras, caracterizando-as como belas, estaremos sempre longe de qualquer padronização do gosto, segundo Hume. Ele afirma que “(...) embora os princípios do gosto sejam universais, e aproximadamente, senão inteiramente, os mesmos em todos os homens, mesmo assim poucos são capazes de julgar qualquer obra de arte, ou de impor seu próprio sentimento como padrão de beleza”. (Idem, p. 67) A padronização dos gostos está limitada pela falta de delicadeza, pelo preconceito, pela falta de conhecimento, prática e experiência com as obras de arte, pela falta de bom senso, e até, pela imperfeição dos órgãos da sensação interna (os juízos), por estarem viciados ou perturbados de tal forma que não consigam produzir um sentimento correspondente aos princípios gerais do gosto. Além disso, Hume aponta as diferenças de temperamento entre as pessoas e a variedade de costumes de épocas e lugares como agravantes para tornar mais confusa a mensuração exata de um juízo de beleza padrão, seja com qualquer objeto e mesmo em relação às obras de arte. (Idem, p. 68-71)

Para Hume, não há como padronizar gostos e essa tarefa é fadada ao insucesso: “Procurar estabelecer uma beleza real, ou uma deformidade real, é uma investigação tão infrutífera como procurar determinar uma doçura real ou amargor real”. (Idem, p. 58)

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