"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Necessidade ou fim da arte ? (Parte 04/09)



Hegel e o Espírito Absoluto

O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, também pensou a respeito da arte. Mas a idéia de Hegel sobre esse assunto é que, embora a arte seja necessária ao homem como forma de ascensão ao Espírito absoluto, a arte terminaria em pensamento, se confundiria com a Idéia e não seria mais necessária ao final desse processo de manifestação do Espírito. Suas considerações a respeito desse assunto precisam ser compreendidas à luz de algumas idéias que fundamentam o todo de sua teoria.

É fácil notarmos que a realidade está em constante transformação. Essa transformação, no entanto, não ocorre apenas no nível das aparências, ou seja, no envelhecimento dos animais ou na queda das folhas das árvores, por exemplo. A realidade como um todo é dinâmica em sua essência, ela é processo, é atividade, isto é, movimento. Esse dinamismo próprio da realidade, segundo Hegel, não nos permite pensá-la simplesmente como uma matéria inerte ou separada de alguma substância maior, espiritual ou transcendente. Para Hegel, a realidade é manifestação do Espírito infinito ou Absoluto. Mas o que é esse Espírito?

Não se pode entender o Espírito hegeliano como uma simples entidade religiosa (a alma de alguém que reencarna, por exemplo). Segundo Hegel, o Espírito que se manifesta na e pela realidade é a unidade. A grande quantidade de seres e de coisas no universo não está em desarmonia, como seres separados uns dos outros. Eles formam um todo. Essa unidade é o Espírito que torna a multiplicidade de seres numa totalidade. Sendo assim, o Espírito enquanto unidade que compacta a realidade, é Absoluto, totalizante.

E como é que esse Espírito se manifesta na realidade? Ele é movimento, é dinâmico e natureza reflete esse dinamismo. O Espírito se manifesta e se reconhece no mundo, nas coisas. Ao criá-las o Espírito cria a si próprio. Esse movimento revela uma característica fundamental tanto do Espírito, quanto da realidade (afinal eles são lados da mesma moeda): a circularidade dialética.

Para Hegel, essa dinâmica do Espírito guarda três momentos distintos: 1) o “ser em si”; 2) o “ser do outro”; 3) “retorno a si”. Como ocorre isso? O Espírito é, primeiramente, ele próprio, idêntico a si mesmo. Depois ele se reflete naquilo que ele mesmo cria, isto é, no mundo, que é a sua negação, ou seja, o seu “outro”. Finalmente recupera-se, quando essa realidade volta a reencontrar-se enquanto Espírito. O movimento da fertilidade é um exemplo disso: a semente que, primeiramente é em si mesma e essencialmente uma flor, precisa morrer, negar a si própria, para que a flor possa surgir. Esses três momentos da circularidade dialética do Espírito são identificados por Hegel como “Idéia”, “Natureza” e “Espírito”, respectivamente. Veja, portanto, que Espírito e Idéia são o mesmo ponto: um de partida e outro de chegada, formando o círculo. Dessa forma, a natureza, o ponto intermediário, o “fora-de-si”, seria também uma forma diferente de ser da própria Idéia, enquanto ser-em-si e do próprio Espírito, enquanto superação ou retorno-a-si. Percebe-se então a concepção idealista da realidade que é a marca do pensamento de Hegel. Realidade e pensamento, espírito e matéria, são idênticos segundo o filósofo: “Somente o espiritual é o efetivamente real.” (HEGEL, 1999, p. 306)

Então esse Espírito Absoluto se revela na dinâmica da realidade. Realidade que também é movimento, é processo. Processo que é histórico e, também, dialético. Isto quer dizer que a história, para Hegel, é o desenrolar dessa manifestação do Espírito. Na medida em que uma determinada época da história entra em crise, ela encontrará sua negação, sua contrariedade e, sucessivamente essa a negação se deparará também com uma negação que superará as duas anteriores.

Assim também se dá com o conhecimento, segundo Hegel: uma teoria (tese) encontra sua negação (antítese) e, desse conflito, elabora-se a superação das duas (síntese). As idéias, enquanto conhecimento humano, evoluem num desenrolar espiral da mesma forma que a história. E o que temos nisso tudo é o movimento do próprio Espírito, isto é, da Idéia que se desenvolve na natureza, em função do reencontro, da retomada de si, da sua auto-consciência. A história dos homens é a história do Espírito Absoluto, portanto.

Essa exposição simples não completa todo o emaranhado de idéias sobre as teorias de Hegel. Mas elas já nos fornecem um suporte necessário para compreender o pensamento do filósofo sobre a arte.

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