"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

A universalidade do gosto (Parte 13/14)

Giuseppe Pellizza da Volpedo, O Quarto Estado (1901),
Representado uma greve. Milão, Galeria Cívica de Arte Moderna - Itália.

Segundo Marx, essa visão de mundo idealista mistificou a realidade e acabou por invertê-la, isto é, desconsiderou que as necessidades materiais da vida, de subsistência, é que determinam as mudanças sociais e históricas. Mudanças essas que ocorrem no modo de produção da subsistência, no relacionamento social dentro dessa produção e nas instituições sociais que, segundo o materialismo histórico, constituem uma outra dimensão da realidade.

A arte é uma dessas atividades humanas que, como todas, não é apenas uma ação isolada, puramente mecânica, mas sim, uma práxis, ou seja, onde homem se realiza na sua ação transformadora da natureza. Nessa práxis, na ação transformadora, onde se concatenam a teoria e a prática, é que o ser humano se constrói. Não há uma essência a priori, portanto, puramente metafísica e fora dessas condições históricas e sociais. Que essência é essa? Não uma essência separada da existência concreta; mas uma essência sensível, social, pois essa sensibilidade é uma percepção que se constrói socialmente. Os sentidos humanos (visão e audição, por exemplo) não são puramente naturais, eles são formados socialmente. Um ouvido só pode perceber a música se ele for treinado para isso, se ele for um ouvido musical. E isso se faz em sociedade. E aí, portanto, na sua existência concreta, sensível, que o homem se realiza como ser humano.

A arte está inserida, e só pode ser compreendida, dentro desse contexto social e histórico, segundo o materialismo. Contexto, aliás, que se tornou cada vez mais estranho ao próprio homem como um todo, na medida em que o surgimento da propriedade privada, da divisão social do trabalho, da industrialização e das riquezas acumuladas nas mãos de poucos pela exploração do trabalho proletário, produziu a alienação. O homem alienado, quer dizer, não autônomo nas suas decisões, não proprietário dos meios de produção, apenas possui a força de seus braços e perde a identidade com aquilo que produz ao ter que vender essa força em troca de um salário injusto. Os objetos que fabrica não lhe pertencem e ele não pode adquiri-los com a remuneração que recebe. O trabalho não lhe oferece mais prazer algum, reduziu-se a uma insignificante repetição de gestos.

Além dessa alienação material, também ocorre a alienação da própria consciência. A própria vida do trabalhador, ele já não sente que lhe pertence. As decisões já não são suas, e ele se torna indiferente, banalizado e, portanto, banalizando a sua vida e a dos seus semelhantes. Se as decisões não são mais suas, alguém é quem vai decidir por ele. A alienação deixa o trabalhador amarrado aos interesses das elites que detêm o poder econômico. Esse modo de vida alienado estende-se também à outras dimensões da vida social, como a dimensão política, onde o poder de decisão e a eficácia da participação nas decisões políticas ficam limitadas para a classe proletária.

O desenvolvimento capitalista acelerou e intensificou os antagonismos de classes. Antagonismos esses que existiam desde que a propriedade privada ingressou na história do trabalho humano, e que agora assumem formas mais violentas, amplas e camufladas. Numa sociedade dividida em classes, cada uma delas terá seus próprios interesses. É inevitável que exista, portanto, os conflitos entre elas. Constata-se, porém, que o interesse predominante seja o interesse da classe que domina, quase sempre em contradição com o interesse geral e coletivo.

Assim é que podemos compreender outro conceito importante dentro do materialismo histórico: a ideologia. Num sentido amplo poderíamos entender apenas como um conjunto de idéias sobre determinado assunto, como uma teoria, por exemplo. Noutro sentido, mais específico, pode-se entendê-la como um conjunto de idéias que representam os interesses de determinadas classes sociais. Mas, no sentido empregado por Marx, ideologia é um conjunto de idéias, que nem sempre se apresentam bem estruturadas – como uma teoria científica, por exemplo – mas que representam os interesses da classe dominante. Essas idéias têm como objetivo principal camuflar, esconder e justificar toda a exploração e desigualdades sociais inerentes ao processo produtivo capitalista. Essa ideologia se encontra disseminada nas instituições sociais, nas leis e geralmente não são percebidas pela classe dominada, pela própria condição de alienação em que se encontram.

A arte não escapa desse jogo de interesses, de vínculos ideológicos. Muitas vezes ela está a serviço ideológico, inverte, camufla e distorce a realidade, não apenas com fins artísticos ou estéticos, mas com fins ideológicos. A arte acaba por servir aos interesses de uma classe. A burguesia, por exemplo, no decorrer do processo de dominação econômica, no sistema capitalista, também acabou por determinar o que deve ser ou não deve ser visto como arte. Até como uma forma de completar e fortalecer essa prática de dominação, a cultura também foi alvo de seus interesses. Muitas vezes essa classe apropriou-se de elementos e iniciativas da cultura popular e histórica como sendo suas, limitando, posteriormente, o acesso a essas formas de arte.

Mas a arte também pode ser o caminho para a aquisição da autonomia, da consciência crítica e da transformação social à medida em que ela também pode refletir, criticar e denunciar as desigualdades e dos abusos do capital. De uma forma geral os teóricos do materialismo histórico defendem que a arte deve desviar-se dos interesses da burguesia para não se desumanizar. Deve desvelar os interesses das elites, mobilizar os trabalhadores para a transformação social. Por outro lado, o caráter universal de algumas obras de arte se verifica quando elas conseguem abarcar valores universais e, por isso, passam a ser reconhecidas pela grande maioria como sendo belas.

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