"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Demócrito (Parte 02/02)


Hoje em dia podemos dizer que a teoria atômica de Demócrito estava quase perfeita. De fato, a natureza é composta de diferentes átomos, que se ligam a outros para depois se separarem novamente. Um átomo de hidrogênio presente numa célula da pontinha do meu nariz pode ter pertencido um dia à tromba de um elefante. Um átomo de carbono que está hoje no músculo do meu coração provavelmente esteve um dia na cauda de um dinossauro.
Hoje em dia, porém, a ciência descobriu que os átomos podem ser divididos em partículas ainda menores, as “partículas elementares”. São elas os prótons, nêutrons e elétrons. E talvez estas partículas também possam ser divididas em outras, menores ainda. Mas os físicos são unânimes em achar que em alguma parte deve haver um limite para esta divisão. Deve haver as chamadas partículas mínimas, a partir das quais toda a natureza se constrói.
Demócrito não teve acesso aos aparelhos eletrônicos de nossa época. Na verdade, sua única ferramenta foi a sua razão. Mas a razão não lhe deixou escolha. Se aceitamos que nada pode se transformar, que nada surge do nada e que nada desaparece, então a natureza simplesmente tem de ser composta por pecinhas minúsculas, que se combinam e depois se separam.
Demócrito não acreditava numa “força” ou numa “inteligência” que pudessem intervir nos processos naturais. As unidas coisas que existem são os átomos e o vácuo, dizia ele. E como ele só acreditava no “material”, nós o chamamos de materialista.
Por detrás do movimento dos átomos, portanto, não havia determinada “intenção”. Mas isto não significa que tudo o que acontece é um “acaso”, pois tudo é regido pelas inalteráveis leis da natureza. Demócrito acreditava que tudo o que acontece tem uma causa natural; uma causa que é inerente à própria coisa. Conta-se que ele teria dito que preferiria descobrir uma lei natural a se tornar rei da Pérsia.
Para Demócrito, a teoria atômica explicava também nossas percepções sensoriais. Quando percebemos alguma coisa, isto se deve ao movimento dos átomos no espaço. Quando vejo a Lua, isto acontece porque os “átomos da Lua” tocam os meus olhos.
Mas o que acontece com a consciência? Está aí uma coisa que não pode ser composta de átomos, quer dizer, de “coisas” materiais, certo? Errado. Demócrito acreditava que a alma era composta por alguns átomos particularmente arredondados e lisos, os “átomos da alma”. Quando uma pessoa morre, os átomos de sua alma espalham-se para todas as direções e podem se agregar a outra alma, no momento mesmo em que esta é formada.
Isto significa que o homem não possui uma alma imortal. E este é um pensamento compartilhado por muitas pessoas em nossos dias. Como Demócrito, elas acreditam que a alma está intimamente relacionada ao cérebro e que não podemos possuir qualquer forma de consciência quando o cérebro deixa de funcionar e degenera.
Com sua teoria atômica, Demócrito coloca um ponto final, pelo menos temporariamente, na filosofia natural grega. Ele concorda com Heráclito em que tudo “flui” na natureza, pois as formas vão e vêm. Por detrás de tudo o que flui, porém, há algo de eterno e de imutável, que não flui. A isto ele dá o nome de átomo.
Enquanto lia, Sofia olhava constantemente pela janela para ver se o misterioso escritor daquelas páginas aparecia para colocar outra carta na caixa de correio. Agora, terminada a leitura, Sofia tinha os olhos fixos em algum ponto da rua, mergulhada em pensamentos.
Ela achou o raciocínio de Demócrito ao mesmo tempo muito simples e incrivelmente engenhoso. Ele tinha encontrado a solução para os problemas do “elemento básico” e das “transformações”. Esta questão era tão complicada que os filósofos tinham levado gerações quebrando a cabeça com ela. No fim, Demócrito resolveu todo o problema, usando para isto apenas a sua razão.
Sofia quase não conseguiu conter um sorriso. Tinha que ser verdade que a natureza era composta de partículas minúsculas que nunca se modificavam. Ao mesmo tempo, Heráclito também tinha razão ao dizer que todas as formas da natureza “fluem”. Isto porque todos os homens e todos os bichos morrem, e até mesmo uma montanha vai se desintegrando aos poucos. O importante, porém, é que até esta montanha é composta de minúsculas partes, indivisíveis, que nunca se desintegram.
Ao mesmo tempo, Demócrito colocou ainda outras questões para a reflexão. Por exemplo, ao dizer que tudo acontece mecanicamente. Ao contrário de Empédocles e Anaxágoras, ele não acreditava na interferência de forças espirituais sobre a vida. Além disso, Demócrito não acreditava que o homem possuía uma alma imortal.
Será que ela, Sofia, podia realmente dizer que Demócrito tinha razão?
Isto ela não sabia. Mas ela estava só no começo de seu curso de filosofia.

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