No país dos Tenentes (Parte 01/03)
durante o 2º aniversário do Estado Novo, 1939.
Rio de Janeiro (RJ). (CPDOC/ OA foto 204)
O Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas teve no grupo dos "tenentes" um dos seus principais pilares de sustentação política. Vários líderes tenentistas, como Juarez Távora, João Alberto e Juraci Magalhães, ocuparam cargos de relevo na administração federal e nos estados. Os "tenentes" reivindicavam mudanças significativas na vida política e econômica brasileira que implicavam a permanência do poder nas mãos de Vargas e o adiamento da constitucionalização do país. Esse projeto esbarrou na forte oposição de importantes grupos regionais interessados em retomar as posições que haviam perdido. O conflito político iria se aguçar, provocando, menos de dois anos depois da Revolução de 1930, um novo movimento revolucionário em São Paulo: a Revolução Constitucionalista de 1932.
A Revolução de 1930 colocou um ponto final na Primeira República. Era hora de promover uma renovação nos quadros dirigentes do país. Para isso, Getúlio Vargas iria recorrer a um dos mais importantes grupos que participaram do processo revolucionário: os "tenentes". Muitos não tinham mais essa patente, mas o título havia-se generalizado ao longo do movimento tenentista.
Nos primeiros meses do Governo Provisório de Vargas, a situação permaneceu indefinida em muitos estados. Diversos grupos políticos lutavam para indicar os interventores federais que seriam nomeados pelo presidente da República para substituir os antigos presidentes estaduais eleitos, que foram depostos pela revolução. Essa situação de conflito era mais grave nos estados do Norte e do Nordeste, o que obrigou o governo a indicar como delegado militar nessa região o líder tenentista Juarez Távora. Juarez ficou encarregado de supervisionar a atuação dos interventores em um vasto território que se estendia do Acre até a Bahia e influiu para que, na maioria dos casos, fossem nomeados interventores militares. Em 1931, com exceção de Pernambuco e Bahia, todos os estados do Norte e do Nordeste tinham um "tenente" no governo. Para impedir abusos e melhor controlar a ação dos interventores, o Governo Provisório criou, em agosto daquele ano, o Código dos Interventores.
A força dos "tenentes" também esteve presente em São Paulo. Para eles, aquele estado, tão importante e poderoso na Primeira República, poderia se constituir na principal força anti-revolucionária e por isso deveria ser mantido sob vigilância. Assim, para a interventoria paulista foi nomeado o "tenente" João Alberto, e não um representante do Partido Democrático de São Paulo, que tivera participação no movimento revolucionário e esperava ser recompensado. Para a chefia da Força Pública do estado Vargas indicou Miguel Costa, outro importante líder do tenentismo. Essas nomeações desagradaram profundamente o PD e importantes parcelas das elites paulistas, interessadas em manter o controle do poder.
Em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, Vargas não considerou necessário enfrentar os grupos oligárquicos regionais que haviam apoiado a Revolução de 1930. Minas foi o único estado que não teve interventor: foi mantido no cargo o presidente estadual Olegário Maciel. No Rio Grande do Sul, que antes da revolução era governado pelo próprio Vargas, foi nomeado interventor Flores da Cunha, homem de longa tradição na vida política gaúcha.
Os "tenentes" se consideravam os verdadeiros revolucionários. Não queriam que a Revolução de 1930 se transformasse em uma mera troca de cadeiras entre os grupos oligárquicos. Trataram, portanto de criar instrumentos de ação política capazes de levar adiante o projeto de um governo centralizador, intervencionista e reformista. Por sua iniciativa formaram-se em alguns estados legiões revolucionárias e, no Rio de Janeiro, fundou-se o Clube 3 de Outubro, principal porta-voz do grupo. Apoiaram a criação do clube importantes lideranças civis, como os ministros Oswaldo Aranha e José Américo de Almeida e os interventores Carlos de Lima Cavalcanti (PE) e Pedro Ernesto (DF).
O projeto tenentista divulgado por essas entidades defendia medidas como a centralização do sistema tributário, o fortalecimento das Forças Armadas, a federalização das milícias estaduais, a criação de uma legislação trabalhista e a modernização da infra-estrutura do país. Do ponto de vista político, os "tenentes" aprovavam a centralização do poder nas mãos de Vargas e desconfiavam da representação partidária vista como palco para a atuação de grupos voltados apenas para os seus interesses privados. Isso significava defender a manutenção de um governo de caráter revolucionário e ditatorial e o adiamento do processo de constitucionalização. No entanto, naquele momento, a introdução de um regime de base constitucional era a principal reivindicação dos grupos oligárquicos, que se sentiam cada vez mais preteridos pelo governo e temiam o fortalecimento político dos "tenentes".
O conflito se acirrou no ano de 1932. Em julho os grupos políticos paulistas partiram para um confronto armado com Vargas na Revolução Constitucionalista. Porém, sem o apoio dos outros estados, os rebelados foram derrotados pelas forças legalistas. A "guerra paulista" teve como principal resultado a aceleração do processo de constitucionalização. Em 1933, realizaram-se afinal as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Estava claro para o chefe do Governo Provisório que não havia mais condições de continuar mantendo a margem do poder importantes grupos políticos regionais que demonstravam explicitamente o seu descontentamento. Depois da vitória nas armas, era a hora da composição política.
Os "tenentes" receberam mal as novidades. A constitucionalização do país significava que teriam que disputar o poder no campo do adversário, isto é, no voto. O que fazer? Como manter um projeto revolucionário em meio ao processo de normalização política? O resultado de tudo isso foi o esvaziamento do Clube 3 de Outubro e o agravamento da divisão entre os "tenentes". Importantes líderes tenentistas, como Juarez Távora e o interventor na Bahia Juraci Magalhães, se aproximaram dos grupos oligárquicos regionais com o intuito de garantir seu futuro político. Outros, como o ex-interventor no Rio Grande do Norte Herculino Cascardo, se desiludiram com os rumos da Revolução de 1930 e resolveram abandonar o governo. Outras lideranças militares mais antigas, como o general Manuel Rabelo, continuaram a defender a implantação de uma ditadura no país.
As eleições de 1933, que iriam conduzir à Constituição de 1934, marcaram, portanto o esgotamento de um movimento de jovens oficiais que abalou as bases da Primeira República teve um papel decisivo na Revolução de 1930 e empalmou grandes parcelas do poder nos primeiros anos da Era Vargas. O tenentismo se diluiu porque se mostrou incapaz de construir uma sólida base política, necessária à implementação de seu projeto de mudanças nas estruturas do país.
Fonte: CPDOC/FGV
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