"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O que é Filosofia? (Parte 04/04)


Você está me acompanhando, Sofia? Então vamos fazer mais um teste de raciocínio.
Certa manhã, mamãe, papai e o pequeno Thomas – a esta altura já com dois ou três anos – estão sentados na cozinha tomando o café. De repente, mamãe se levanta, vira-se para a pia e então… bem, então papai começa a flutuar sob o teto da cozinha.
O que você acha que Thomas diria? Talvez ele apontasse o dedo para seu pai e dissesse: “Papai voando!”.
Na certa Thomas ficaria espantado, mas ficar espantado não é novidade para ele. Afinal, o papai faz tantas coisas estranhas que, a seus olhos, um pequeno vôo sobre a mesa do café da manhã não faz lá muita diferença. Todos os dias, por exemplo, seu pai faz a barba com um aparelhinho esquisito, às vezes sobe no telhado e vira a antena da TV, outras vezes enfia a cabeça no compartimento do motor do carro e sai com a cara toda preta lá de dentro.
Agora é a vez da mamãe. Ela ouviu o que Thomas disse e vira-se resoluta. Como você acha que ela reagiria à visão de seu marido voando sobre a mesa da cozinha?
Na mesma hora ela deixa cair o vidro de geléia e solta um grito de pavor. Talvez ela até precise de um médico, depois que papai voltar e sentar-se em sua cadeira. (Há muito tempo ele deveria ter aprendido a se comportar à mesa!)
Por que será que Thomas e mamãe reagem de forma tão diferente? O que você acha?
É uma questão de hábito. (Grave bem isso!) Mamãe aprendeu que as pessoas não podem voar. Thomas não. Ele ainda não tem muita certeza do que é possível e do que não é possível neste mundo.
Mas e quanto ao mundo propriamente dito, Sofia? Você acha que ele é possível? O mundo também fica pairando livremente no espaço.
O triste de tudo isto é que, à medida que crescemos, nos acostumamos não apenas com a lei da gravidade. Acostumamo-nos, ao mesmo tempo, com o mundo em si.
Ao que tudo indica, ao longo da nossa infância nós perdemos a capacidade de nos admirarmos com as coisas do mundo. Mas com isto perdemos uma coisa essencial – algo de que os filósofos querem nos lembrar. Pois em algum lugar dentro de nós, alguma coisa nos diz que a vida é um grande enigma. E já experimentamos isto, muito antes de aprendermos a pensar.
Para ser mais preciso: embora as questões filosóficas digam respeito a todas as pessoas, nem todas se tornam filósofos. Por diferentes motivos, a maioria delas é tão absorvida pelo cotidiano que a admiração pela vida acaba sendo completamente reprimida. (Elas se alojam bem no fundo do pêlo do coelho, fazem um ninho bem confortável e ficam lá embaixo pelo resto de suas vidas.)
Para as crianças, o mundo – e tudo o que há nele – é uma coisa nova; algo que desperta a admiração. Nem todos os adultos vêem a coisa dessa forma. A maioria deles vivencia o mundo como uma coisa absolutamente normal.
E precisamente neste ponto é que os filósofos constituem uma louvável exceção. Um filósofo nunca é capaz de se habituar completamente com este mundo. Para ele ou para ela o mundo continua a ter algo de incompreensível, algo até de enigmático, de secreto. Os filósofos e as crianças têm, portanto, uma importante característica comum. Podemos dizer que um filósofo permanece a sua vida toda tão receptivo e sensível às coisas quanto um bebê.
E agora você precisa se decidir, querida Sofia: você é uma criança que ainda não se “acostumou” com o mundo? Ou você é uma filósofa capaz de jurar que isto nunca vai lhe acontecer?
Se você simplesmente balança a cabeça e não se sente nem como criança, nem como filósofa, a explicação para isto é que você já se acostumou tanto com o mundo que não consegue mais se surpreender com ele. Neste caso, você corre perigo. E justamente por medida de segurança, para evitar que isto aconteça, é que você está recebendo este curso de filosofia. Eu não quero que justamente você passe a pertencer ao clube dos apáticos e indiferentes. Quero que você viva uma vida instigante.
Você receberá este curso inteiramente grátis. Assim, não haverá devolução de dinheiro, caso você desista de fazê-lo. Se você quiser interromper o curso em determinado momento, também não há problema. Você só precisa deixar uma mensagem para mim na caixa de correio. Esta mensagem pode ser, digamos, uma rã viva. De qualquer forma, tem de ser alguma coisa verde. Afinal, não vamos querer assustar o carteiro.
Vamos resumir: um coelho branco é tirado de dentro de uma cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, este truque leva bilhões de anos para acontecer. Todas as crianças nascem bem na ponta dos finos pêlos do coelho. Por isso elas conseguem se encantar com a impossibilidade do número de mágica a que assistem. Mas conforme vão envelhecendo, elas vão se arrastando cada vez mais para o interior da pelagem do coelho. E ficam por lá. Lá embaixo é tão confortável que elas não ousam mais subir até a ponta dos finos pêlos, lá em cima. Só os filósofos têm ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da existência. Alguns deles não chegam a concluí-la, mas outros se agarram com força aos pêlos do coelho e berram para as pessoas que estão lá embaixo, no conforto da pelagem, enchendo a barriga de comida e bebida:
— Senhoras e senhores — gritam eles —, estamos flutuando no espaço!
Mas nenhuma das pessoas lá de baixo se interessa pela gritaria dos filósofos.
— Deus do céu! Que caras mais barulhentos! — elas dizem.
E continuam a conversar: será que você poderia me passar a manteiga? Qual a cotação das ações hoje? Qual o preço do tomate? Você ouviu dizer que a Lady Di está grávida de novo?
(…)

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