"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Os filósofos da natureza (Parte 06/07)


QUATRO ELEMENTOS BÁSICOS - (Páginas 48-51)

Sob certo aspecto, Parmênides e Heráclito pensavam de maneira totalmente oposta. A razão de Parmênides deixava claro que nada pode mudar. Mas as experiências sensoriais de Heráclito deixavam igualmente claro que a natureza está em constante transformação. Qual dos dois tinha razão? Será que devemos confiar no que nos diz a razão, ou será que devemos confiar nos sentidos?
Tanto Parmênides quanto Heráclito fazem duas afirmações:
Parmênides diz:
a) que nada pode mudar
e
b) que, por isso mesmo, as impressões dos sentidos não são dignas de confiança.

Heráclito, ao contrário, afirma:
a) que tudo se transforma (“tudo flui”)
e
b) que as impressões dos sentidos são confiáveis.

Desacordo maior não poderia haver entre dois filósofos! Mas qual dos dois tinha razão? Fica a cargo de Empédocles (c. 494-434 a.C.) apontar o caminho que tiraria a filosofia do impasse a que ela tinha chegado. Ele achava que tanto Parmênides quanto Heráclito tinham razão numa de suas afirmações, mas estavam totalmente enganados quanto à outra.
Para Empédocles, a grande discordância estava no fato de que ambos os filósofos tinham assumido como ponto de partida o fato quase inquestionável de que haveria apenas um elemento básico. Se isto fosse verdade, o abismo entre o que a razão nos diz e o que nossos sentidos percebem seria intransponível.
Naturalmente, a água não pode se transformar num peixe ou numa borboleta. A água em si não pode se transformar. Água pura será água pura por toda a eternidade. Sob este aspecto, Parmênides tinha razão quando afirmava que nada se transformava. Ao mesmo tempo, Empédocles concordava com Heráclito quando este dizia que devemos confiar no que dizem os nossos sentidos. Precisamos acreditar no que vemos, e o que vemos é justamente o fato de que a natureza está em constante transformação.
Empédocles chegou à conclusão de que a noção de um único elemento primordial tinha que ser refutada. Nem a água nem o ar, sozinhos, podiam se transformar num buquê de rosas ou numa borboleta. Para a natureza, portanto, seria impossível produzir alguma coisa a partir de um único elemento básico.
Empédocles acreditava que a natureza possuía ao todo quatro elementos básicos, também chamados por ele de “raízes”. Estes quatro elementos eram a terra, o ar, o fogo e a água.
Todas as transformações da natureza seriam resultado da combinação desses quatro elementos, que, depois, novamente se separavam um do outro. Pois tudo consiste em terra, ar, fogo e água, só que em diferentes proporções de mistura. Quando uma flor ou um animal morrem, esses quatro elementos voltam a se separar. Essas transformações podem ser percebidas a olho nu. No entanto, terra, ar, fogo e água continuam a ser o que são, inalterados, incólumes, independentes de todas as misturas de que façam parte. Não é certo, portanto, afirmar que “tudo” muda. Basicamente, nada se altera. O que acontece é que esses quatro elementos diferentes simplesmente se combinam e depois voltam a se separar para então se combinarem novamente.
Talvez possamos fazer aqui uma comparação com o trabalho de um pintor. Se ele tiver à sua disposição apenas uma cor – o vermelho, por exemplo -, não poderá pintar árvores verdes. Mas se ele tiver amarelo, vermelho, azul e preto, então poderá criar centenas de cores diferentes, porque poderá combinar as cores em diferentes proporções.
Um exemplo do que ocorre na cozinha nos mostra a mesma coisa. Se eu tiver apenas farinha, terei de ser mágico para fazer dela um bolo. Mas se eu tiver ovos, farinha, leite e açúcar, poderei assar diferentes bolos a partir desses quatro elementos básicos.
E não é por acaso que Empédocles considerava precisamente a terra, o ar, o fogo e a água as “raízes” da natureza. Antes dele, outros filósofos tinham tentado provar que o elemento básico teria de ser ou a água, ou o ar, ou ainda o fogo. Tales e Anaxímenes tinham enfatizado a importância da água e do ar como elementos da natureza. Os gregos também consideravam o fogo muito importante. Eles viam, por exemplo, a importância do Sol para todas as formas de vida na natureza e é claro que também sabiam do calor do corpo de homens e animais.
Talvez Empédocles tenha visto um pedaço de madeira queimando. Quando isto ocorre, alguma coisa se desintegra. Podemos ouvir a madeira estalar e crepitar. É a água. Alguma coisa vira fumaça. É o ar. O fogo é o que não vemos. E quando as chamas se apagam, sobra alguma coisa. São as cinzas, ou a terra.
Depois que Empédocles mostrou que as transformações da natureza surgem da combinação de quatro “raízes” que depois se separam, uma questão continuou em aberto: o que faz com que os elementos se combinem para dar origem a uma nova vida? E o que é responsável pelo fato de uma mistura – uma flor, por exemplo – voltar a se desintegrar?
Empédocles dizia que na natureza atuavam duas forças, por ele chamadas de amor e de disputa. O que une as coisas é o amor; o que as separa é a disputa.
Empédocles diferencia, portanto, elemento e força. Vale a pena gravar isto na memória. Até hoje a ciência estabelece uma diferença entre elemento básico e forças naturais. A ciência moderna acredita poder explicar todos os processos da natureza através de uma interação entre os diferentes elementos básicos e algumas poucas forças naturais.
Empédocles também refletiu um pouco sobre a questão de saber o que ocorre quando percebemos alguma coisa. Como posso “ver” uma flor, por exemplo? O que acontece neste caso? Você já pensou nisso, Sofia? Se não pensou, está aí uma boa oportunidade para fazê-lo.
Empédocles acreditava que, como todas as outras coisas da natureza, também nossos olhos são compostos de terra, ar, fogo e água. Assim, a terra contida em meus olhos perceberia o componente terra no objeto visto; o ar, o componente ar; o fogo, o componente fogo; e a água, o componente água. Se faltasse aos olhos um desses elementos, eu não poderia enxergar a natureza em sua totalidade.

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