"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O desafio do Islã - a origem (Parte 01/07)


Hoje, países e organizações islâmicas protagonizam alguns dos mais dramáticos acontecimentos do planeta. No entanto, embora seja a religião que mais cresce no mundo, o islamismo continua surpreendentemente desconhecido para os não-muçulmanos, mesmo os mais esclarecidos. O desconhecimento chega ao ponto de muitos acreditarem que o Deus muçulmano é diferente do Deus cristão. Em um mundo que necessita vitalmente de compreensão e tolerância, essa ignorância é uma perigosa fonte de preconceitos e conflitos.
Como, quando e onde surgiu o islamismo? Qual é sua mensagem? Quais são suas convergências e divergências com outras religiões monoteístas, como o judaísmo e o cristianismo? Quais foram suas principais contribuições à civilização? Qual a diferença entre sunitas e xiitas? Qual é sua visão de futuro? Por que tantos muçulmanos estão hoje em luta contra os valores ocidentais?

A Arábia pré-islâmica - A Arábia pré-islâmica era uma terra de cenários grandiosos e ânimos exaltados. Desertos imensos e estreitos desfiladeiros compunham sua paisagem física. Batalhas ferozes e juramentos feitos com os dedos manchados de sangue compunham sua paisagem humana. Nômades ou recém-sedentarizados, os árabes do sexo masculino valorizavam, acima de tudo, a liberdade, a honra, a eloqüência e a astúcia. Quanto à mulher, ela era literalmente um objeto, que, ainda menina, o pai entregava em casamento a quem bem lhe aprouvesse e que, mesmo adulta, dependia em tudo da aprovação masculina.
Os laços de consangüinidade dominavam as relações sociais. Mas havia neles uma gradação. Um antigo provérbio árabe dá bem a medida disso, ao afirmar: "Eu e meu irmão contra meu primo; eu, meu irmão e meu primo contra o forasteiro". Constantes combates entre tribos e clãs e vinganças de sangue pela honra ultrajada eram a conseqüência inevitável de tal mentalidade. O Islã haveria de suavizar esses temperamentos e contribuiria decisivamente para a melhoria da condição da mulher, dos pobres e dos órfãos.
Embora dizendo-se descendentes do profeta bíblico Abraão, por meio de seu filho Ismael, os árabes eram então predominantemente politeístas. Minorias judaicas e cristãs conviviam com uma população que cultuava os espíritos da natureza (djin) e centenas de deuses e deusas. Seu centro espiritual era o Santuário da Caaba, na cidade de Meca. Nesse edifício de formato cúbico, cujos ângulos se alinham com os pontos cardeais, ficava guardada a Pedra Negra, o principal objeto de adoração. Diz a tradição islâmica que ela desceu do Céu, branca como a neve, mas que os pecados dos filhos de Adão progressivamente a escureceram. Mais tarde, os místicos muçulmanos afirmariam que, seguindo a orientação divina, Abraão e Ismael edificaram a Caaba no ponto exato em que o Eixo do Mundo toca o plano terrestre. Nos vários planos celestiais, cortados por essa linha invisível, haveria santuários análogos, freqüentados por anjos. E, acima de todos eles, o Trono de Deus.
Em torno da Caaba, os mequenses haviam disposto 360 ídolos, um para cada grau da circunferência, um para cada dia do ano lunar. Peregrinos procedentes de toda a Arábia vinham a Meca uma vez por ano e circundavam sete vezes a Caaba, reverenciando os ídolos uns após os outros. Essa circulação humana, o tawaf, reproduzia, no plano terrestre, a ronda dos astros ao redor da estrela polar, provocada pelo movimento de rotação da Terra.
Allah era uma das divindades cultuadas no Santuário. Seu nome, al-Illah, é a forma árabe de El, o Deus de Abraão, mencionado no Antigo Testamento da Bíblia. Mas os árabes atribuíam igual importância a Hubal, um deus de origem moabita, e às deusas al-Lat, al-Uzzah e Manat, conhecidas como as "três filhas de Deus". Sede do grande templo de al-Lat, a cidade de Taif disputava com Meca a proeminência religiosa na Arábia. E o panteão árabe não se restringia aos 360 deuses do Santuário. Cada casa tinha seu deus particular. O número de divindades não parava de crescer, graças aos contatos comerciais e às relações matrimoniais com outros povos.
Os indianos cultuam até hoje centenas de deusas e deusas. Porém, graças aos ensinamentos de seus grandes sábios, adquiriram a compreensão de que esses múltiplos deuses e deusas são apenas diferentes manifestações de uma Divindade Única. É esse profundo senso de unidade que confere vitalidade espiritual às religiões da Índia, permitindo que elas atuem como poderoso fator de integração nos planos individual, social e cósmico. Alguns pensadores muçulmanos contemporâneos acreditam que tal senso de unidade, inerente a todas as tradições espirituais autênticas, fora esquecido na Arábia pré-islâmica. Sem um princípio único, integrador, o politeísmo árabe teria se transformado em uma religião supersticiosa e estéril. Dizem esses especialistas que, assim como Abraão, Moisés e Jesus, Muhammad recebeu um "mandato celeste" para restaurar o conhecimento da unidade divina, tornando-o ativo, integrador, transformador.

Escrito por José Tadeu Arantes.

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