"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Platão (Parte 02/05)


O MUNDO DAS IDÉIAS

Empédocles e Demócrito já tinham nos chamado a atenção para o fato de que, apesar de todos os fenômenos da natureza “fluírem”, havia “algo” que nunca se modificava (as “quatro raízes” ou os “átomos”). Platão também se dedicou a este problema, mas de forma completamente diferente.
Platão achava que tudo o que podemos tocar e sentir na natureza “flui”. Não existe, portanto, um elemento básico que não se desintegre. Absolutamente tudo o que pertence ao “mundo dos sentidos” é feito de um material sujeito à corrosão do tempo. Ao mesmo tempo, tudo é formado a partir de uma forma eterna e imutável.
Entendeu? Tudo bem, não entendeu…
Por que todos os cavalos são iguais, Sofia? Talvez você ache que eles não são iguais. Mas existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, o “exemplar” isolado do cavalo, este sim “flui”, “passa”. Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira “forma do cavalo” é eterna e imutável.
Para Platão, este aspecto eterno e imutável não é, portanto, um “elemento básico” físico. Eternos e imutáveis são os modelos espirituais ou abstratos, a partir dos quais todos os fenômenos são formados.
Eu explico melhor: os pré-socráticos tinham oferecido uma explicação muito plausível para as transformações da natureza, sem ter de pressupor que algo efetivamente “se transformava”. Eles achavam que no ciclo da natureza havia partículas mínimas, eternas e constantes, que não se desintegravam. Muito bem, Sofia! Eu disse muito bem! Só que eles não tinham uma explicação aceitável de como estas partículas mínimas, que um dia tinham se juntado para formar um cavalo, se juntavam novamente quatrocentos ou quinhentos anos mais tarde para formar outro cavalo, novinho em folha! Ou um elefante, ou um crocodilo. O que Platão quer dizer é que os átomos de Demócrito nunca podem se juntar para formar um “crocofante” ou um “eledilo”. E foi isto, precisamente, que colocou em marcha suas reflexões filosóficas.
Se você já entendeu o que estou dizendo, pode pular este parágrafo. Caso não tenha entendido, vou tentar ser mais claro: digamos que você pegue uma caixa cheia de peças de Lego e construa um cavalo. Depois você desmancha o que fez e recoloca as peças de volta na caixa. Você não pode esperar obter outro cavalo apenas chacoalhando a caixa de peças. Afinal, como é que as peças de Lego podem produzir um cavalo por si mesmas? Não… você é que tem que montar o cavalo novamente, Sofia. E se você conseguir, isto significa que na sua cabeça você tem uma imagem do que seja um cavalo. O cavalo de Lego foi formado, portanto, a partir de uma imagem padrão que permanece inalterada de cavalo para cavalo.
Você não chegou a uma conclusão semelhante sobre os cinqüenta bolos iguais? [Página 92: “Meu nome é Platão, e eu gostaria de propor quatro tarefas para você. Primeiro, gostaria que você refletisse sobre como um padeiro consegue assar cinqüenta bolos exatamente iguais.”] Vamos imaginar agora que você caia do espaço na Terra e nunca tenha visto uma padaria. Então você passa pela vitrine muito convidativa de uma padaria e vê sobre um tabuleiro cinqüenta broas exatamente iguais, todas em forma de anõezinhos. Suponho que, nessas condições, você vá coçar a cabeça e se perguntar como todas aquelas broas podem ser iguais. E é bem possível que você perceba que um anãozinho está sem um braço, o outro perdeu um pedaço da cabeça e um terceiro tem uma barriga maior que a dos outros. Contudo, depois de pensar bem, você chega à conclusão de que todas as broas em forma de anãozinho têm um denominador comum. Embora nenhum deles seja absolutamente perfeito, você suspeita que eles devem ter uma origem comum. E chega à conclusão de que todos foram assados na mesma fôrma.
E mais ainda, Sofia: isto desperta em você o desejo de ver esta fôrma, pois fica claro que ela deve ser indescritivelmente mais perfeita e, de certa forma, mais bonita do que uma de suas frágeis e imperfeitas cópias.
Se você resolveu esta questão sozinha, então você conseguiu resolver um problema filosófico exatamente da mesma maneira que Platão. Como a maioria dos filósofos, ele também “caiu do espaço na Terra”, por assim dizer. (Ele foi lá para a pontinha dos finos pêlos do coelho.) [Página 26: “PS. Quanto ao coelhinho branco, talvez seja melhor compará-lo com todo o universo. Nós, que vivemos aqui, somos os bichinhos microscópicos que vivem na base dos pêlos do coelho. Mas os filósofos tentam subir da base para a ponta dos finos pêlos, a fim de poder olhar bem dentro dos olhos do grande mágico.”] Platão ficou admirado com a semelhança entre todos os fenômenos da natureza e chegou, portanto, à conclusão de que “por cima” ou “por trás” de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas Platão deu o nome de idéias. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existe a “idéia cavalo”, a “idéia porco” e a “idéia homem”. (E é por causa disto que a citada padaria pode fazer broas em forma de porquinhos ou de cavalos, além de anõezinhos. Pois uma padaria que se preze geralmente tem mais que uma fôrma. Só que uma única fôrma é suficiente para todo um tipo de broa.)
Conclusão: Platão acreditava numa realidade autônoma por trás do “mundo dos sentidos”. A esta realidade ele deu o nome de mundo das idéias. Nele estão as “imagens padrão”, as imagens primordiais, eternas e imutáveis, que encontramos na natureza. Esta notável concepção é chamada por nós de a teoria das idéias de Platão.

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