"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Platão (Parte 03/05)


O VERDADEIRO CONHECIMENTO

Até aqui acho que você está me acompanhando, minha cara Sofia. Mas talvez você esteja se perguntando se Platão estava realmente falando sério. Será que ele acreditava mesmo que tais fenômenos pudessem existir numa realidade totalmente diferente?
Certamente ele não pensou literalmente desta forma durante toda a sua vida, mas a leitura de alguns de seus diálogos deixa claro que é assim que ele quer ser entendido. Vamos tentar acompanhar sua linha de argumentação.
Como dissemos, um filósofo tenta entender algo que é eterno e imutável. Teria pouco sentido, por exemplo, escrever todo um tratado de filosofia sobre a existência de determinada bolha de sabão. Em primeiro lugar, porque se teria pouca chance de examiná-la cuidadosamente antes que ela desaparecesse. Em segundo, porque dificilmente se conseguiria vender um tratado filosófico sobre algo que ninguém viu e que existiu por apenas alguns segundos.
Platão achava que tudo o que vemos ao nosso redor na natureza, tudo o que podemos tocar pode ser comparado a uma bolha de sabão. Pois nada do que existe no mundo dos sentidos é duradouro. Você concorda que todas as pessoas e todos os animais mais cedo ou mais tarde morrem e desaparecem, não é mesmo? Até um bloco de mármore aos poucos vai se desfazendo e se desintegrando. (A Acrópole de hoje não passa de ruínas, Sofia. Uma coisa escandalosa, se você quer saber a minha opinião. Mas a vida é essa…) Platão é da opinião de que nunca podemos chegar a conhecer verdadeiramente algo que se transforma. Sobre as coisas do mundo dos sentidos, coisas tangíveis, portanto, não podemos ter senão opiniões incertas. E só podemos chegar a ter um conhecimento seguro daquilo que reconhecemos com a razão.
Sim, sim, Sofia, vou explicar melhor: retornando ao exemplo da broa em forma de anãozinho, pode muito bem acontecer de alguma coisa dar errado enquanto o padeiro está fazendo a massa, ou então enquanto a broa está crescendo ou assando, de tal modo que, no fim, não seja possível dizer que formato aquela broa tem. Mas depois de eu ter visto vinte, trinta broas em forma de anãozinho, pois mais imperfeitas que elas sejam, posso ter uma idéia clara do formato que possui a fôrma em que elas foram assadas. E posso chegar a esta conclusão mesmo sem nunca ter visto a fôrma. Aliás, nada garante que seria melhor ver a fôrma com os próprios olhos, isto porque nem sempre podemos confiar em nossos sentidos. A faculdade de visão pode variar de pessoa para pessoa. De outra parte, podemos confiar no que a razão nos diz, pois a razão é a mesma para todas as pessoas.
Se você está numa sala de aula com trinta alunos e o professor pergunta qual a cor mais bonita do arco-íris, certamente ele ouvirá muitas respostas diferentes. Mas se ele perguntar quanto é três vezes oito, a classe inteira deve chegar ao mesmo resultado. É que neste caso é a razão quem julga; e a razão é, de certa forma, o extremo oposto de achar e sentir. Podemos dizer que a razão é eterna e universal, justamente porque ela só se manifesta sobre dados que são eternos e universais.
Platão interessou-se muito por matemática, exatamente porque os dados matemáticos nunca se alteram. Por isso podemos chegar a um conhecimento seguro no que diz respeito à matemática. Mas vamos dar um exemplo: imagine que você encontre na floresta uma pinha redonda. Talvez você diga que “acha” a pinha perfeitamente redonda, mas pode ser que [sua amiga] Jorunn afirme que a pinha está um pouco amassada de um lado. (E aí vocês começam a discutir!) Só que não dá para vocês chegarem a um conhecimento seguro sobre aquilo que vêem com os olhos. Por outro lado, vocês sabem que a soma dos ângulos de um círculo é exatamente 360°. Neste caso, porém, vocês estão falando de um círculo ideal, que não existe na natureza, mas que vocês conseguem visualizar perfeitamente com os “olhos de dentro”. (Vocês estão falando sobre o formato oculto da fôrma, e não sobre uma broa específica, casual, que está sobre a mesa da cozinha.)
Para resumir brevemente: não podemos ter senão opiniões incertas sobre tudo o que sentimos ou percebemos sensorialmente. Mas podemos chegar a um conhecimento seguro sobre aquilo que reconhecemos com nossa razão. A soma dos ângulos de um triângulo é 180°. E será assim por toda a eternidade. Da mesma forma, a “idéia” de que um cavalo terá sempre quatro patas continuará válida, ainda que todos os cavalos do mundo dos sentidos fiquem mancos de uma perna.

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